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terça-feira, 30 de outubro de 2007

A Ética e a Estética

Advertência: o texto que se segue pode conter linguagem susceptível de ferir a sensibilidade dos leitores. Eu avisei.


Desconsiderando toda a carga marialva que a afirmação pode encerrar, quer-se da mulher que reúna nos seus predicados e atributos, as qualidades e virtudes da estética e da ética, sublime estado em que a sua condição é elevada à de companheira ideal, mulher fatal, descartando a funcionalidade meramente mecânica dum palminho de cara sem maneiras nem princípios, ou o destempero desregulador eréctil duma mente brilhante numa figurinha de canhonaço ou de abóbora menina. E olhem que falo disto com propriedade. Com a propriedade de quem sobrevalorizou a elegância e a volúpia de gata gulosa da jovem Cintinha, desvalorizando o facto de no manual de instruções indicar expressamente que apenas vinha equipada com dois neurónios, tendo um deles fundido logo após expirar a garantia. Machista! – dirão alguns. Enganado pela sobreposição semi-consciente do falo ao intelecto, direi eu invocando Édipo.
Também na política os atributos se equivalem, estética e ética são as duas faces da gloriosa alma dum político desejado, as duas premissas que o transformam num cidadão com carisma, aglutinador, prestigioso. A questão é que não é fácil encontrar o dois em um. Não que não existam, antes não exercem. Ou por outra, escolhem a ocasião – hoje vinga a ética, amanhã convém a estética – uma espécie de figura de alterne que degrada a imagem do comum político, ridicularizando a sua acção aos olhos dos seus concidadãos.
Nunca como hoje esta questão foi tão marcante, vincadamente marcante, diria. Na crise melodramática que a nossa púbere cidade enfrenta, fervilham as hormonas e os pelos próprios das idades de crescimento e de afirmação, das idades em que o acne revela mais do que nunca as fragilidades da estética sem ética e vice-versa, com múltiplos sintomas da disfunção e da qual os recém hiper-valorizados “independentes” são um dos mais eloquentes exemplos. Convenhamos que, na dimensão em que se tem colocado a questão, “independente” mais do que uma questão ética é uma questão estética. Pois que lhe serve a inexistência de vínculo partidário se não se fundar em profundas convicções e princípios ideológicos? A relevância da questão da independência não se mede no estrito âmbito da opção partidária, ela vai tremendamente mais fundo. Resulta da posição incompatível da defesa de múltiplos interesses corporativos em claro conflito, de que o exemplo mais ilustrativo é o da famigerada “promiscuidade entre o desporto e a política”.
Contudo, atendendo à efervescência do momento, não posso terminar sem afirmar que, não sendo por ora possível juntar ética e estética sob o mesmo chapéu da democracia, prefiro a ética do João à estética do Alberto. A menos que um destes dias o João acorde estremunhado e, sem se olhar ao espelho, decida num repente também trocar a ética pela estética, entregando ao Alberto, para glória e exaltação do aparelho, o estojo dos cosméticos com que este se vai entreter a maquilhar (n)os próximos dois anos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Relaxoterapeuta, excelente avatar, ou glosa ou dissertação.
Mas nem JBD é homem de ética nem Alberto Cascalho é homem de ética, aliás andamos aqui com os azeites pelos assobios, sorrisos e tentativa de fazer graçolas por parte do seu estético.

E a um anónimo que mais lá abaixo refere que eu nunca mais falei do vinho chileno (e que avato em hora de almoço e jantar, como engenheiro… trabalho) e não falei porque um dia falaram que eu e JBD andávamos nos copos, triste terra a minha (mas a culpa é do meu bisavô que veio soprar para aqui) que não sabe que o vinho chileno não se bebe mas se saboreia e se mastiga…

Mas relaxoterapeuta, não sendo um dos poetas meus preferidos, deixo aqui outro Al Berto, este assim com estética, na esperança de que por um engenheiro gostar de ler poesia não o apelidarem de "menina", triste terra esta que merecia mais e melhor.


Horto

homens cegos procuram a visão do amor
onde os dias ergueram esta parede
intransponível
caminham vergados no zumbido dos ventos
com os braços erguidos - cantam
a linha do horizonte é uma lâmina
corta os cabelos dos meteoros - corta
as faces dos homens que espreitam para o palco
nocturno das invisíveis cidades
escorre uma linfa prateada para o coração dos cegos
e o sono atormenta-os com os seus sonhos vazios
adormecem sempre
antes que a cinza dos olhos arda
e se disperse
no fundo do muito longe ouve-se
um lamento escuro
quando a alba se levanta de novo no horto
dos incêndios
prosseguem caminho
com a voz atada por uma corda de lírios
os cegos
são o corpo de um fogo lento - uma sarça
que se acende subitamente por dentro.

Al Berto

Anónimo disse...

"nem JBD é homem de ética nem Alberto Cascalho é homem de estética"

E estou (estamos) a jantar e a beber um El Dorado dos Mares del sur.