Gaivotas em terra, é porque a coisa no mar está brava, bravíssima mesmo, ou como diria o capitão Tomás: “vá lá baby, descontraia… descontraia que não dói nada… isso…isso!…”. O país ainda não encalhou, mas adivinha-se que mais palmo menos dedo a quilha vá roçar em terra firme e lance borda fora os incréus – é o que dá tratar uma angina de peito e mais a obesidade mórbida e os cabrões dos diabetes com clisteres e enxúndia de galinha. Afinal até as milagrosas pílulas do Portugal Tecnológico e dos PIN’s se mostraram impotentes face às derrapagens, às guinadas, aos vícios e à falta de perícia dos soberbos timoneiros e pilotos de cabotagem que temos tirado à sorte em rifas de vinte e cinco cêntimos cada – comprem, comprem, meninos comprem, que sai sempre prémio! E tem saído! A merda é que estamos todos no mesmo barco, não há balsas salva-vidas e o farol que aponta o caminho não é de fiar – “querem salvar-se, seus incompetentes? Aumentem o dízimo e cortem na fruta, palermas esbanjadores!” – prescrevem os FMI’s, os OCDE’s e outros proto-necrófagos, os mesmos que não previram a crise, os mesmos que do alto da torre fazem dúbios sinais de luzes à navegação, sempre que esta se aproxima perigosamente da rebentação.
O país presta-se assim a bater no fundo, enquanto mete água a rodos na casa das máquinas. Não, não me refiro aos mais recentes arrufos de pombinhos nem aos resmungos que de quando em vez, e vice-versa, o engenheiro piloto tem com o doutor imediato, um morenaço alto e lustroso que dança o tango a uma só perna. Nem me refiro ao facto de pela enésima vez terem chamado mentiroso ao piloto, sem que o dito se tenha sentido ofendido e tenha tido a postura que se impõe a um Homem de Estado com tomates. Não, não é isso. Refiro-me ao facto do imaculado e bondoso (e previdente e apaziguador e anjo da guarda e tudo e tudo…) presidente Sr. Silva me ter convocado a Belém, para escutar as minhas impressões sobre o estado do tempo. E olhem que para me convocar, é porque a coisa está mesmo bera. Bem, pelo menos fez o que os santos da casa não fazem, quis-me escutar. Mas isso são outros quinhentos e de genéricos está o inferno cheio…
À convocatória responderei com o melhor que sei e posso. Garanto-vos que lhe direi das boas e das más, das queixas e das culpas, sereno no discurso, mas firme nas convicções. Mas firme, sempre firme que nem um penico.
Dir-lhe-ei que, em primeiro lugar, urge mudar a mentalidade politiqueira e soberba dos que se passeiam entre São Bento e Belém, entre o Rato e a Lapa, entre o Caldas e a Soeiro, entre as capelinhas. Afinal o que é que mudou desde os tempos em que o Eça e o Ramalho zurziam de forma cirúrgica sobre essa casta inundada de insuficientes? Nada! Mesmo nada! Ante a responsabilidade de uma das mais nobre funções civilizacionais – a Política - a postura é a mesma, os vícios são os mesmos, a manjedoura é a mesma, as moscas são as mesmas. E já passaram mais de cem anos...
Dir-lhe-ei que a educação é o mais precioso bem que qualquer geração pode dar aos seus filhos, que a sabedoria é inimiga das “competências”, que as novas oportunidades não devem servir para fazer crescer as percentagens das cabeças brilhantes com orelha de burro e diploma na mão, que são despejadas aos magotes no desemprego e na ilusão de um futuro melhor, que os Magalhães não curam a iliteracia nem substituem o pensamento, e por aí adiante. Ajudar uma criança a aprender a pensar é a mais importante e urgente tarefa que o país tem pela frente, sobretudo se tivermos em conta o tempo desperdiçado e a falta de sensibilidade para entender o óvbio.
Dir-lhe-ei que a justiça não pode ser o divã em que se debocham os abastados e influentes e a espada de Dâmocles sobre a cabeça dos desventurados e indulgentes. A justiça pode ser cega mas não pode ser zarolha, a justiça não pode ter um tempo insuportável nem arrastar a democracia para a lama da inimputabilidade.
Dir-lhe-ei que a economia e as finanças não são um fim mas um meio, que a mais irónica das verdades é que aqueles que defendem a ausência de regras e de regulação são os primeiros a viver à sombra do Estado faustoso e sem critério. Desde a sucata aos doutos pareceres, tudo serve.
Dir-lhe-ei que este país tem um povo inconstante, inconsequente, cansado, amorfo, espertinho, desenrascadinho, sabichão, a começar por mim. E isso não é culpa do vento nem da chuva, é culpa da sopa e do sofá. Porque só no dia em que cada um de nós vir o fundo à panela ou perceber que o Euromilhões ou que o Sr. Malato nunca irão inundar a nossa insignificante existência com os euros da felicidade com que nos bombardeiam os cinco sentidos, é que perceberemos de uma vez por todas que o futuro se constrói e conquista com sangue, suor e… cunhas. C’uma porra, isto até nem me estava a correr nada mal… ou como diria o Capitão Tomás: “pronto baby, está toda lá dentro!”
E viva Portugal!