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segunda-feira, 19 de abril de 2010

"Inveja Social"

Desde pequenino que me habituei a ouvir dizer que tenho “maus fígados” e que sou rancoroso. É verdade, corroboro. Sobretudo quando a azia resulta daquilo a que o messiânico e multifacetado doutor do Abrupto, no seu superior estado de probidade um dia apelidou de “inveja social”. Nem mais! Sou compulsivamente um “invejoso social”, admito o vício! Pois por muito que tente não consigo esquecer os Mexias e quejandos, os que mamam as uvas e os que, ironicamente, mesmo tendo quota e feitoria na vinha, ficam de atalaia para confirmar se a uvas são mamadas até à grainha. Ao menos que nos deixassem “ir ao rabisco”, expressão utilizada pelo meu avô Serafim, quando no fim de uma jorna de vindima nos obrigava a passar a leira a pente fino, de cócoras, para apanharmos os preciosos baguitos que haviam caído. Mas nem isso - “está tudo congelado até novas ordens da administração!”. Punhetas duma figa!...
Ponhamos tudo em pratos limpos, de uma vez por todas: o que se passa nos privados não é coisa que me apoquente, são dores que não carrego. Agora quando nos toca a todos, aí sim, fico amofinado! Quando o Estado discute o quinhão com uns mas a outros estende-lhes graciosamente a teta engordando-os a leite e mel, até rebentarem a escala lipídica, aí sim, fico chateado, aborrecido mesmo, a-r-r-e-l-i-a-d-o, tal qual o Pinheiro de Azevedo quando foi sequestrado no parlamento. Desabafos…
Mas como em tudo na vida, há nesta descarada subtracção… perdão, nesta justa atribuição de “prémios de performance”, algo a reter, conclusões que os meus agastados neurónios vão arrumando na já atulhada prateleira dos insultos e dos ultrajes, ao ritmo do palavrório dos argumentadores e contra-argumentadores dos prós e dos contras. É que, ao contrário do que se possa pensar, o Portugal límbifero não é só paisagem meus caros, temos dos melhores gestores do mundo, uma raça autóctone de mamíferos que valem o que produzem, o que reproduzem e mais o que defecam, a peso d’ouro, upa, upa! Como diz o povo: “são poucos mas bons”! Mas coincidência das coincidências, geralmente esta fina-flor da estratégia, que saltita graciosamente de nenúfar em nenúfar, está à frente de empresas que, com o beneplácito do Estado, vivem da posição do missionário, subalternizando os tão defendidos e propalados valores liberais da sã concorrência e da mão invisível do mercado, que tudo estabiliza e que tudo regula, subjugando os consumidores a uma posição espúria de companhia de alterne, de usar e deitar fora, de “pagas e não bufas”. Mas há mais. Estas performances de mérito têm um único mentor e lugar-tenente – os gestores de topo – pois toda a maralha e camarilha que se lhes segue na pirâmide do organigrama, não pensa, não produz, não rentabiliza, não tem mérito. Nada! É por isso que essa casta de burros de carga, em vez que quinhoar nos ganhos, é “convidada” a fazer mais um furo na tira de couro que lhes cinge as calças, a bem da estabilidade e do futuro.
Confesso porém que há uma coisa que me intriga nisto tudo. Então e o topo da classe política, não protesta? Está tudo manso? É que comparados com estes gurus do lucro, os seus salários não passam de amendoins e de tremoços. Quer-se dizer, então os fulanos no topo da hierarquia do Estado, aqueles em que de tempos a tempos depositamos as nossas esperanças e a nossa confiança, vivem à míngua? Vivem da migalha e do rissol? Os tipos que meditam horas e horas a fio no PEC, na PAC, no OGE, na escolha dos gestores de topo a colocar no sítio certo, ganham um cinquenta avos dos seus subordinados? Dir-me-ão, é evidente que há aqui uma pequenina questão, que é a da p-e-r-f-o-r-m-a-n-c-e. Deixemo-nos de merdas: isso é apenas um pormenor... De uma coisa tenho a certeza, algo tem de mudar! - Cavaco, Sócrates, Ministros, Secretários de Estado, Deputados: o Relaxoterapeuta está convosco nesta luta! Força! Avancem sem medos! Exorto-vos a avançarem para a rua, por melhores salários, pela dignidade das vossas carreiras! Vamos fazer uma grande concentração em frente à sede da EDP e pedir a cabeça do Mexia. E não se preocupem com a logística, está tudo previsto: o Sérgio Moiteiro leva as bandeiras negras, o João Paulo leva o megafone e eu levo o curriculum. É que se o Mexia cair, alguém tem de o substituir, não é? E eu estou aqui com uma ideias para a EDP que acho que iam resultar. Qual é a dúvida? Pois se até o Artur de Oliveira chegou a vereador, porque é que eu não hei-de chegar a gestor milionário da EDP?

5 comentários:

Antonio Mexia disse...

Senhor Relaxoterapeuta

Quem diria que aí nesse lugarzito escondido que não é mais do que um enclave do Casal Galego, haveria alguém a querer tratar-me das lombalgias causadas por muitas horas diárias de trabalho árduo no Excel a ver como é que ponho a EDP a dar ainda mais lucros em 2010, pois eu também tenho objectivos a cumprir no que toca à minha remuneração. Se tem inveja dos míseros 3 milhões de euros que merecidamente me foram pagos, espere mais uns tempitos e vai ver. Você e mais uns críticos pelintras, até vão ficar verdes de inveja quando forem apresentados os lucros de 2010 e de acordo com o coeficiente aprovado pelos accionistas vai ver quanto é que eu vou embolsar.

Para já e como os aumentos tarifários não podem ser muito elevados e para não aumentar muito os calotes, vamos poupar especialmente na manutenção das linhas. Que se lixem os empresários daí e doutros lados com os frequentes cortes de electricidade. Paciência, porque o que conta são os lucros da EDP e não o das empresas mexerucas que perdem umas dezenas de horas de trabalho anuais. Mais do que isso vai perder os Estado com a ponte oferecida aos seus funcionários para ver o Papa.
E mais não digo, conversamos após a apresentação anual de contas lá para Março de 2010.
E não se meta muito comigo, porque podem-se-lhe queimar os fusíveis.

Sr. Carneiro disse...

mé, mé, mé, mé...

Rogério G.V. Pereira disse...

Caro Relaxoterapeuta,

A esta hora, foi um tanto complicado recorrer aos seu serviços com tão denso e extenso post. Consegui. Está de parabéns (não são muitos os que me conseguem tão elevada concentração, nem o Mexia).

Venho aqui acrescentar aos invejosos que caracterizou outras famílias de invejosos, como por exemplo:
- os sem salário ou pensão a tempo e horas, com inveja de quem recebe a tempo;
- os sem emprego, com inveja dos que o tem;
- os sem terra, com inveja dos poucos que tem muita.

Sobre estes lembro a quadra do Antunes da Silva (Suão):

"Quem me dera ser rafeiro
da matilha do patrão
deitar-me em boa cama
ter a mesa sempre com pão"

Há invejosos de todo o tipo. Os que gosto menos, à sexta feira fazem bicha para colocar os últimos boletins, esperando pela sorte poderem igualar os sortudos...

Acintoso disse...

Nem que eu fosse a deusa Shiva teria mãos suficientes para aplaudir este texto do Relaxoterapeuta...
Parabéns e, quero dizer-lhe, Relaxoterapeuta, eu partilho consigo toda a inveja que sente e, muito mais do que isso, também exijo tratamento igual por parte do patrão estado.
Ou há moralidade ou comem todos!
O senhor Mexia (e outros quantos) pode ser muito bom gestor, mas eu acreditaria mais nisso se o visse (os visse) a dirigir empresas sem a capacidade de manobra que tem, por exemplo, a EDP, onde ‘todos pagam - o que lhe é imposto - e não bufam’.

vinagrete disse...

Sobre os Mexias, da EDP, da ZON, da PT, da GALP, da CGD , etc, etc. eu já me pronunciei e só espero que alguém ponha os olhos e os ouvidos em Obama, lider do país mais liberal e desregulado do Mundo e, pelo menos, tente imitá-lo.
Já quanto ao texto do Relaxoterapeuta, quem quer que seja que se disfarça por detrás do nikname, mais uma vez, as minhas felicitações. Ironia fina, crítica mordaz, num pacote literário de refinado recorte de qualidade.
Parabens.