Estava eu a dormir profundamente num modesto quarto do hotel “Charuto Dourado”, em pleno centro de Havana, quando o som ranhoso do despertador que comprei na loja do chinês antes de embarcar para Cuba, interrompeu o sonho erótico que estava a ter com o meu artista favorito, Danny de Vito. Eram 5 da manhã e na suite do lado já se ouvia movimento. O som da primeira mijadela da manhã seguida por um traquesito envergonhado e pela descarga do autoclismo não deixavam dúvidas, Pereirita estava pronto para mais um excitante dia de trabalho. Raios partam este hábito dos nossos autarcas, de se levantarem de madrugada para trabalhar, pensei eu esfregando os olhos colados com remela.
A viagem na véspera correra sem grande confusões num mini-boing da TUMGA com escala no Valado para deixar duas vendedeiras do mercado abarracado. Apanhámos o voo numa paragem junto ao Império dos Frangos e o único problema no cheque-in foi arrumar a prancha do Pereirita no porão do mini-boing. Mas logo ali ficou bem evidente o espírito prático e a visão dum vereador habituado a tomar grandes decisões. Bastou apenas um telefonema para o estaleiro da câmara e estava resolvida a complicação: “Artur, traz-me aí um serrote para cortar o bico”. Do outro lado respondeu uma voz cansada pelo trabalho acumulado: “A quem? Ao João Barbas?”. “Não camarada, esse já pouco pia... é à prancha. Estes xuxas nem um mini-boing souberam comprar! Veja lá camarada que nem uma prancha cabe nos porões desta geringonça. Parece impossível a pesada herança que nos deixaram!”
Como sempre o dia de Pereirita começou cedo com uma consulta à internet para visitar o seu blogue preferido e para se inteirar do mais importante: o estado do mar, a ondulação, as correntes marítimas, a direcção do vento e o tempo para o fim de semana.
Após duas doses de cafeína, bebidas de penalti, para enfrentar mais um dia complicado, Pereirita dirigiu-se à praia. Olhou para o mar com olho de político experiente e confirmou que a ondulação era fraca. Habituado a cavalgar ondas imponentes e a enfrentar o mar revolto e as toneladas de problemas do dia a dia, Pereirita suspirou e sentiu saudades da sua Rivieira e duma pratada de carapaus abertos. Fazendo um esforço para conter as lágrimas, passou um óleo bronzeador pelo corpo, estendeu a toalha com a cara de Cheguevara e deixou-se cair na areia para meditar sobre os grandes projectos para o concelho. Vida dura esta coisa de representar o município além-mar, pensei eu.
Após a meditação, que foi longa e profunda, como o sol já ía alto e os peritos aconselham que a partir do meio-dia só se deve meditar à sombra, Pereirita decidiu tomar um duche e almoçar. Dirigiu-se ao hotel e dez minutos depois estava sentado à mesa com ar lavadinho. Pediu a ementa e como já não havia carapaus abertos teve de se contentar com duas lagostas suadas e dose e meia de camarão tigre. Paciência, esta vida de vereador também tem contratempos.
Enquanto saboreava resignado a modesta refeição, aproveitou para ir folheando o “Manual do Comunismo para não Comunistas” do falecido Carlos Max, um livro recomendado por um consultor de imprensa, especialista na obra do finado autor.
Após o repasto o jovem autarca arrotou delicadamente e disse: “vou repousar um pouco que a manhã foi de loucos e esta tarde vou ter emoções fortes”. Pereirita referia-se ao grande momento da sua vida, ser recebido pelo camarada Fidel e entregar-lhe um galhardete do município a troco de operações às vistas. Como era do protocolo, Fidel deveria pegar-lhe ao colo, abençoa-lo e revelar-lhe o futuro.
Eram cinco da tarde quando Pereirita desceu apressado e cheio de ideias para implementar no concelho, ansioso por ser recebido pelo grande camarada. Bebeu três cafés curtos para enfrentar o que restava da tarde de trabalho e partiu rapidamente para o Museu de História Natural de Havana onde Fidel e outros dinaussauros da velha guarda o haveriam de receber.
Eram exactamente 18:37 quando Fidel tomou Pereirita nos braços para a fotografia da praxe e, chamando-lhe João Portugal, incidente diplomático prontamente resolvido por um camarada que segredou a Fidel que se tratava de João Baião (“Pereirita para os amigos”), um alto dirigente do enclave comunista de Marinha em Grande, lhe vaticionou um futuro brilhante e lhe reconheceu carisma de líder.
Emocionado, Pereirita decidiu não fazer mais nada o resto do dia. Sentia-se esgotado mas feliz. Voltaria para a sua terra com uma certeza, apesar do esforço valia a pena estar ao serviço do povo. E foi assim que sete charutos e vinte e duas cubas livres depois, Pereirita dormia o sono dos justo na suite presidencial do hotel mais em conta de Havana, o “Charuto Dourado”, sonhando ser o primeiro presidente da câmara da Rivieira de Leiria.
Ser político nesta terra não é fácil, desiludam-se os que querem fazer carreira porque ao fim dum dia destes são poucos os que não desistem. Hasta siempre camarada Pereirita!
Directamente de Havana em serviço especial para o Largo das Calhandreiras, a repórter Mulher Bidón.
6 comentários:
Assim é qu'eu gosto. Prometeu cumpriu. (E não é preciso ter um curso d'ingenheiro p'ró fazer...).
Tipo fixe este Zézé!
Excelente trabalho este da Mulher Bidon. (Olhem que não fica nada a dever àquele que a jornalista Alice Marx fez a propósito de um dia da vida do nosso presidente-em-exercício!).
Fartou-se de trabalhar (e de matutar) o nosso Pereirita! Com afincados dirigentes destes (e ainda por cima abençoados pelo patriarca Infidel), podemos estar descansados ca nossa terra vai... longe!
Desculpem mas não sei a quem agradecer: se ao inefável Pereirita pelo trabalho desenvolvido em prol da comunidade, se à Mulher Bidon por no-lo ter dado a conhecer!
'Como sempre o dia de Pereirita começou cedo com uma consulta à internet para visitar o seu blogue preferido'...
Aposto a como o blogue em causa é este Forum do Largo das Calhandreiras tão amado lá p'rós lados da Praça Stephens!!!...
Cuitado do nosso Pereirita nem foi curtir a noite...Coitado do Pereirita ...levou ele na bagagem o seu brinquinho de sair à noite e nem oportunidade teve de lhe dar uso-....vereador sofre ....se sofre mas por amor ao povo...
Sempre pensei que o Vereador Pereirita se fizesse acompanhar da jornalista encartada D.Alice para uma das suas ilarianetes reportagens "UM DIA COM...." afinal esta foi substituida pelo nosso Zézé Camarinha. Boa troca e boa reportagem
Sempre pensei que o Vereador Pereirita se fizesse acompanhar da jornalista encartada D.Alice para uma das suas ilarianetes reportagens "UM DIA COM...." afinal esta foi substituida pelo nosso Zézé Camarinha. Boa troca e boa reportagem
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