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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Bimbi? Não Obrigado!

Finada a vacação abundantemente abençoada e aspergida com banhos de mar salgado e de termas sulfurosas e vínicas, frutadas e desfrutadas, voltei à pacatez do Casal da Formiga com mais cinco quilos setecentas e vinte, mas não sem antes ter derivado a Pedreanes, para provisionar três sacos de pinhocas e quatro braçados de caruma, que o Outono vem aí num já. Vieram-me os bofes à boca.
Os primeiros dias foram dolorosos, o ócio e as gorduras acumuladas, fizeram-me arrastar penosamente pela correspondência, pelos pasquins da região e pelos milhares de panfletos promocionais que empanturravam a minha caixa de correio (comprada há um par de anos no Barroca), o que só veio agravar o meu estado pré-comatoso.
O tédio e a moral só subiram com o telefonema da prima Adelaide dos Poços de Água, pedindo-me “encarecidamente” para receber a afilhada, Maria Manuela, com o intuito desta me apresentar uma tal de Bimbi. Confesso que a singularidade do nome e a inesperada oportunidade de conhecer alguém certamente interessante me despertou os sentidos, causando-me, inadvertidamente, um inoportuno... rubor pueril nas faces. Não dei parte de fraco e fiz-me rogado, sem sequer questionar o que teria passado pela cabeça da prima e da afilhada, para se lembrarem de me apresentar a dita. Presumi instintivamente que a fama e o proveito de outros tempos bem mais gloriosos voltara, para honra e complacência da enferrujada adriça - as coisas que passam pela cabeça de um inocêncio sexagenário.
Face à “insistência” da prima Guilhermina, lá anuí sem ponta de contrariedade, é certo, imaginando a amiga de Maria Manuela - pelo nome só podia ser uma bela jovem de traços exóticos, silhueta suave mas vincadamente feminina, cabelos lisos, compridos, pernas longas, mãos delicadas, quem sabe?!...
No dia e hora aprazados lá recebi Maria Manuela, envergando camisa branca por fora das calças, exalando a lavanda, e o ralos cabelos besuntados de gel, penteados para trás à matador. Sentia-me o conquistador de outros tempos, um autêntico Druval no seu melhor estilo.
Maria Manuela, que já não via desde os tempos da Fábrica Escola, estava bojuda, engelhada e faltava-lhe um dente da frente – “nem queiras saber, estava ontem à noite a comer um coirato e caiu-me o pivot” – disse-me ela tentando tapar a falha do dente com o indicador direito, rindo nervosa, crendo que eu acreditava que ela alguma vez na vida tinha posto um pivot. “Que maçada” disse-lhe eu agoniado com a história do coirato e começando a desconfiar do desalinho, da pele descuidadamente oleosa e da ausência de companhia. “Vieste sozinha?” perguntei-lhe eu afiando os caninos. “Vim, pois. Trago aqui a Bimbi para te apresentar” respondeu-me pronta, apontando para o caixote que trazia com alguma dificuldade, debaixo do braço. Esmoreci... Devo ter ficado tão aparvalhado que a oleosa criatura perguntou se me estava a sentir bem. Deu-me vontade de a despachar com um biqueiro no nalgueiro volumoso, mas contive-me a tempo. Afinal a Bimbi que eu, guloso, imaginara de formas voluptuosas e de sotaque açucarado, não passava de uma panela-faz-tudo: “descasca, pesa, rala, corta, bate, mistura, mexe, frita, guisa, coze, pana, esturge...” gritava sem respirar e quase histérica, Maria Manuela.
Zonzo pela desfeita, aguado, comecei a alucinar com a minha ex-empregada (a brasileirinha) que fazia tudo aquilo e muito mais enquanto o diabo esfrega um olho! Não me consegui conter: “E também geme? E arranha? E morde? E ma...”. A última já não a terminei, fui interrompido por uma valente galheta puxada à costa da mão direita, deixando-me marcado na cara o horripilante cachucho de pechisbeque comprado num sorteio da Orivesaria Barosa. Maria Manuela, furibunda e ofendida, tinha desatado num choro compulsivo e num chorrilho de insultos, a mim e à minha mãezinha, que de tão graves nem me atrevo sequer a reproduzir nenhum.
Atordoado e sem reacção, limitei-me a observar de queixo caído a matrafona a enfiar tudo no caixote com brusquidão e a abalar como um furacão porta fora, insistindo nos impropérios contra a minha santa mãezinha. Ao sair ainda olhou para trás por cima do ombro, atirando com desprezo e ódio: “e Bimby escreve-se com y, ó vacão!”. Mortal!...
Senti-me ferido, ultrajado, humilhado, com tanto desplante. Sobretudo porque a bicha nem me deu tempo de reacção. Nem me deu tempo de ser eu a enxotá-la, a urrar-lhe aos ouvidos que estou farto de ser usado, que estou farto de ser enganado, que estou farto de pseudo-simplificações relambórias, de panelas faz-tudo, de gente faz-tudo, de gente telecomandada, guiada, oferecida!... O que eu quero não são panelas faz-tudo, nem carolas, o que eu quero é gente que pense pela sua cabeça, que queime neurónios, que tenha ideias e soluções, que tenha projectos, que seja visionário, que antecipe o futuro e que tenha o gosto e o prazer pela subtileza dos pequenos gestos.
E agora que já desembuchei, vou descascar batatas que se faz tarde para o almoço. A panela faz-tudo que se quilhe!

6 comentários:

Anónimo disse...

As férias não fizerambem nem mal, continua o tédio do costume...!!!
blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...blá.. blá... blá...
é muita conversa e pouco sumo...!!!

Rei Juan disse...

Porque no te callas?

vinagrete disse...

Li, reli e voltei a ler em voz alta, para a minha mulher ouvir.
Prosa de alta qualidade, que não está ao alcance de quem só atinge o bla..bla...bla.
Parabens pelo texto e aqui deixo a fundada esperança de que a mensagem dos últimos parágrafos passe.
Também eu estou farto de faz-tudos, cinzentões, tristes, mas convencidos que a sapiência é propriedade sua.
Disse o poeta que o sonho comanda a vida e tem razão.
Utopias, sonhos, alavancas de esperança para projectar um futuro novo necessitam-se.
Escreva sempre e deixe o bla..bla.. a babar-se de ignorância.

Anónimo disse...

Gostei!
A panela faz tudo fez-me lembrar alguém. Será coincidência ou fina ironia?

ai ai disse...

Que saudades dos seu textos caro relaxoteurapeta, a sua fina e inteligente ironia, consegue por-nos a rir e ao mesmo tempo a gastar neurónios (dos tais).

quero assinar por baixo o bitaite do vinagrete.

Quanto a si meu caro. Tanto tempo de férias teria que acabar com esses Quilitos a mais...Bem feito

Anacrónico disse...

... ... ...
"Senti-me ferido, ultrajado, humilhado, com tanto desplante. Sobretudo porque a bicha nem me deu tempo de reacção. Nem me deu tempo de ser eu a enxotá-la, a urrar-lhe aos ouvidos que estou farto de ser usado, que estou farto de ser enganado, que estou farto de pseudo-simplificações relambórias, de panelas faz-tudo, de gente faz-tudo, de gente telecomandada, guiada, oferecida!... O que eu quero não são panelas faz-tudo, nem carolas, o que eu quero é gente que pense pela sua cabeça, que queime neurónios, que tenha ideias e soluções, que tenha projectos, que seja visionário, que antecipe o futuro e que tenha o gosto e o prazer pela subtileza dos pequenos gestos."

Aplaudir é pouco... eu acho que a palavra ‘subscrever’ ficará muito melhor!

Infelizmente o que temos por aí a mais, é gente telecomandada que, ainda por cima, faz gala em dizer-nos que trabalha para nós!!....

O dia 11 de Outubro vem já aí e será a altura própria para, estando como estamos prevenidos, darmos a essa tal gente o bem aplicado pontapé na bunda (seja ela rechonchuda ou não) que merece.

E quanto ao anónimo primeiro bitaitante, ele deve ser dos tais que está disposto a amochar com a canga que lhe querem por!
Só assim se justifica a pobreza do seu comentário!

Ah! já me esquecia: já sentia saudades dos seus textos, Relaxoterapeuta. Apareça mais vezes que o tempo vai propício...