Com este belo Conto de Natal encomendado aos melhores humoristas portugueses da actualidade (não podemos dizer o nome por causa da publicidade), o Largo das Calhandreiras encerra o ciclo das festas natalícias.
(conto propriamente dito)
Casa dos Reis Magros, dia 6 de Janeiro, 10:24 am, batem à porta. (truz, truz, truz)
- Ó Gaspar, vê lá quem é que está a bater à porta que eu não posso lá ir que estou a massajar os camelos.
Gaspar abre a porta mas não vê ninguém e volta para o computador onde está a escrevinhar um editorial todo supimpa para o seu pasquim.
- Quem era? pergunta Belchior.
- Não era ninguém - responde Gaspar.
(truz, truz, truz) Batem novamente à porta. Gaspar volta a abri-la mas não vê ninguém.
- Ei, ei, aqui em cima, aqui em cima, meu, tás a ver?
Gaspar olha para cima e vê um tipo pendurado pela cintura, numa grua.
- Quem és tu? - pergunta.
- Sou uma estrela. Uma estrela pop-rock, bué de radical tás a ver? Tipo cenas altamente, Che, Karl, Lenine, tás a ver?
Gaspar vira-se para dentro e grita:
- Belchior, está aqui um jovem de brinco com um sotaque esquisito a dizer que é uma estrela, uma estrela pop-rock bué de radical.
Belchior chega à porta e confirma o relato do companheiro.
- O que é que queres, meu? – pergunta Belchior pondo uma pose à jovem.
- Tenho de levá-los até ao menino em exercício que já nasceu, tás a ver? Como diz no guião que é costume vocês levarem-lhe umas prendas, tás a ver?
- E como é que ele está? – insiste Belchior esfregando as mãos ainda a cheirar a bálsamo de massagem.
- O parto foi difícil mas apesar de tudo tá fixe - respondeu a estrela. Belchior não percebe e volta a questioná-lo:
- Apesar de tudo, porquê?
A estrela respondeu:
- É que os tempos tão bué difíceis. Cumpriram-se os escritos do profeta Quanto Pior Pior e o menino em exercício nasceu sob o signo da pesada herança, tás a ver? O pobrezinho nasceu na penúria, nem tem dinheiro para mandar cantar um mudo!
- Um cego! - corrigiu Gaspar que era letrado e esperto que nem um alho - Então e o menino em exercício, está com os pais biológicos?
- Não tá com os pais infectivos – respondeu a estrela.
- Afectivos! – corrigiu Gaspar que era letrado e esperto que nem um alho.
- Vamos mas é deixar de tangas e avante camaradas. Mas, espera lá, vocês não eram três manos? – pergunta a estrela.
- Pois era, mas o Baltazar que é monhé veio sem papéis e foi apanhado numa rusga do SEF. Os gajos não são para brincadeiras. Agora está no Tarrafal a cantar ku-duro. – respondeu Belchior arreando os camelos para a longa caminhada.
E assim lá partiram ao encontro do menino em exercício.
Pelo caminho passaram por um senhor baixinho e barbudo que estava a dar uma entrevista.
- Quem é aquele? – perguntou Gaspar.
- É o ainda rei Herodes. Tem mau feitio. Finjam que não o viram.
- Acho que não vou com a cara dele – disse Gaspar desconfiado – tenho de escrever qualquer coisa sobre esta sensação que estou a ter. O homem, não sei porquê, não me inspira confiança.
Só que era tarde. Herodes já estava a acabar a entrevista quando os avistou e dirigiu-se de imediato ao seu encontro.
- Então onde vão os meus amigos? – perguntou.
- Cumprir os escritos do profeta da desgraça – respondeu de forma seca a estrela.
- Vamos adorar o menino em exercício, levar-lhe presentes – adiantou Belchior sem se apear do camelo.
- Então e aqui p’ró Herodes não há nada? É que afinal eu é que ainda sou o rei! Já não há respeito!...
- Não nos queres acompanhar? – perguntou Belchior.
- Cruzes canhoto! Não é pelo menino em exercício, ele nem tem culpa, é por dois ou três gajos mal formados, e uma estrela, gente sem categoria que me tramou!
- Vá lá, não fiques com azia – parodiou Gaspar visivelmente satisfeito com a irritação do ainda rei. Tenho de escrever qualquer coisa contra este gajo – pensou.
- Queres uma lembrança? – perguntou Belchior.
- Pode ser – aceitou Herodes. A estrela, impaciente, olhava de forma insistente para o relógio.
- O que é que te faz falta? Talvez uns patins? - perguntou Gaspar com um sorriso maroto.
- Já estou servido, obrigado. O que me dava mesmo jeito era uma cozinha nova que a minha ardeu.
- Ardeu a cozinha e a carreira política – disse a estrela entre dentes.
- O que é que disse a jovem estrela de brinco e sotaque?
- Nada, nada – despachou a estrela tossindo sem vontade.
Gaspar teve uma ideia:
- Olha, o mais que posso fazer é publicar umas coisas tuas. Eu sou um gajo plural.
- Está bem – disse Herodes conformado. – Mandem saudades ao menino em exercício- rematou o ainda rei. Uma lágrima vermelha rolou pela sua face cansada e caiu à terra onde frutificou. Naquele local nasceu mais uma das suas incontáveis obras conforme tinha sido anunciado pelos profetas. Em jeito de despedida a estrela disse:
- Bom trabalho Herodes. Mas agora deixa-nos ir que já só temos dois anos e não podemos perder mais tempo contigo.
Retomada a marcha, após cinco dias e cinco noites de viagem os Reis Magros e a estrela chegaram a um pobre e modesto complexo abarracado onde se encontrava o menino em exercício e a família. Em cima da barraca principal um anjo desesperava.
- Olha, o que é está ali a fazer o João Portugal empoleirado? – perguntou Belchior surpreendido.
- É um anjo, o camarada anjo – esclareceu a estrela.
- Táva a ver que nunca mais chegavam. Vamos lá a despachar a coisa que me ligaram agora a dizer que estão umas ondas fantásticas – disse o jovem anjo.
Belchior e Gaspar entraram na barraca principal e curvaram-se diante do menino em exercício. O cenário era belo e resplandecente. Visto de fora ninguém diria as condições que o complexo abarracado reunia por dentro – águas quentes e frias, bancas em aço inoxidável, ambiente climatizado com controlo de temperatura, balneários, etc, etc, etc – disser-ía: não olharam a despesas. E não era caso para menos.
O menino em exercício olhou-os com ternura e simpatia:
- Sejam bem vindos, camaradas Reis Magros.
Conforme os escritos estava acompanhado por quatro figuras, os pais afectivos e os… padrinhos. Derivado ao hábito, um dos pais afectivos tomando a palavra deu início à condução aos trabalhos e perguntou:
- Que é feito do Baltazar?
- Está no Tarrafal a cantar ku-duro – respondeu Belchior.
- Mandem-lhe cumprimentos nossos e digam-lhe que havemos de visitá-lo – disse o menino docemente.
Atrás do menino em exercício um dos padrinhos, de farta cabeleira branca, parecia impaciente. Sentia-se que queria intervir e que tinha muito para dar.
O pai afectivo que conduzia os trabalhos deu a palavra ao segundo pai afectivo que prontamente colocou uma questão:
- Então o qué que os Reis Magues têêm p’ra dar ao menine em exercíce?
- Sim, que reivindicações, perdão, que presentes trazem para o nosso menino em exercício, o qual admiro muito, devo acrescentar para que conste em acta – acrescentou o outro padrinho ao megafone e empunhando uma bandeira negra.
Gaspar, que era letrado e esperto que nem um alho, adiantou-se mesmo sem lhe terem dado a palavra:
- Pois queira saber o menino em exercício que o menino para mim tem sido uma agradável surpresa. Sentem-se ventos de mudança neste complexo abarracado. Sopra uma nova brisa...
O padrinho de cabeleira branca interrompeu Gaspar a despropósito:
- Estou farto de dizer ao segurança para manter a lona da barraca para baixo, senão é só correntes de ar. Vou já providenciar mais uns sacos de areia.
- Não façam caso – sussurou a estrela – ele diz estas coisas mas é bom homem, faz tudo o que lhe mandamos.
Belchior sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha mas não desarmou. Gaspar retomando a palavra disse:
- Queria por isso oferecer ao menino em exercício a minha escrita escorreita e a minha fina análise política semanal. À sua disposição.
- Muito obrigado – agradeceu o menino gentilmente. – E o Belchior, o que tem para mim? Não são mais camelos, pois não? – gracejou olhando para o lado.
- Não, não, meu menino em exercício, não. Ofereço-lhe três imagens para compor o presépio. Três figurinhas que não lhe vão trazer qualquer problema. São tão discretos que nem abrem a boca, ao contrário dos outros que não se calavam.
- Nem tenho de lhes dar a palavra nem nada? – questionou o pai afectivo que conduzia os trabalhos.
- Entram mudos e saem calados – respondeu Belchior.
O padrinho de farta cabeleira branca agitou-se, sorriu e cumprindo os escritos dos profetas deixou escapar:
- E o burro sou eu, e o burro sou eu? Hum… Hum...
Interrompemos aqui este belo conto do Reis Magros para dar a palavra ao Provedor Alminhas:
“Uma vez mais sob a capa do anonimato, os autores deste blogue utilizam de forma abusiva as respeitáveis figurinhas do presépio como corruptelas nominais para parodiarem de forma duvidosa e pouco católica.
Porque todas as figurinhas do presépio têm direito ao bom nome, aqui fica lavrado o meu protesto.”
Nota da redacção do LC: os nossos respeitos ao Sr. Provedor. Embora sem grande brilho, este conto termina já aqui. Os nossos respeitos.