.
.

quinta-feira, 22 de março de 2007

O Bugalhão do Alandroal

Vicente Bugalho era raposa velha. Astuto, sabido, teimoso, matreiro, surdo de quando em vez, taralhoco q.b., educado no trato, petisqueiro e bom prato. Quando lhe perguntavam de alhos, respondia bolotas, que de bugalhos já lhe chegava o nome pelo qual respondia a família. E quanto aos alhos, não é que não tivesse resposta de despicadeira, mas preferia enrolar e encanar a perna à rã. Às tantas a pergunta estava esquecida e a resposta que mais lhe convinha, dada. Finório!
A princípio todos julgavam que não dizia coisa com coisa, mas a arte de rodear o tema que aprendera com o avô paterno, Geraldo Bugalho “O Regedor”, começou a levantar suspeitas quando perceberam que por detrás da manha havia patranha. Sabido!
A família, “os Bugalhos”, apesar de o respeitarem e de se absterem de qualquer apostilado público, em privado lá iam dizendo que Bugalhão, como habilidosamente o tratavam, estava a ficar cada vez mais casmurro, migalho e com falta de vistas. Mas se alguém concordava, logo tocavam a reunir e não hesitavam em pegar no cajado pelo abuna. Pois, mas a questão é que todos achavam que Vicente devia fazer partilhas e descansar sossegado pelo resto dos dias em sombra de sobro, olhando a perder de vista a planície entrecortada por suaves montes. O segundo dos seus nove filhos, Bertolino Bugalho de seu nome, de quando em vez lá tocava no assunto “o mê pai devia era descansar e deixar de se maçar com tanta canseira” ao que o patriarca, sempre acompanhado pelo canito, fiel rafeiro que o acompanhava para todo o lado, respondia em voz forte “do mê monte nã saio!”. O canito abanava o rabo em sinal de concordância e lá corria a apanhar uma côdea que Bugalhão lhe atirava, cumprindo o seu papel de companhia. Bertolino insistia “mas mê pai, qualquer dia partimos todos e o monte fica cá, temos de acautelar p’rós netos. Olhe que o futuro não espera…”. “Deixá-lo” dizia Vicente “já com mê avô foi assim, com mê pai tambêm e cómigo tambêm vai ser! Até ver quem manda aqui sou eu!”.

Os anos iam passando, as forças iam sumindo e o monte lá continuava quieto, às ordens de Vicente Bugalho e do seu canito, à espera que o tempo se encarregasse de fazer as partilhas do que sobrasse.


Esta história, sem moral, contava-a minha bisavó, Laurinda Bugalho Carloto.

3 comentários:

Anónimo disse...

Texto primorosamente escrito, como, por norma, o Relaxotrapeuta já nos habituou.
É certo que ele avisa que esta "é uma história sem moral", mas uma leitura um pouco judiciosa da minha parte deixa-me adivinhar escondidos paralelismos, o que torna a coisa ainda mais gozada.
Parabéns Relaxoterapeuta.

Anónimo disse...

Os meus parabéns ao Relaxoterapeuta pelo belo texto que aqui trouxe.
Ainda bem que a teimosia de alguns não deixou que acabasse o blogue, sem honra nem glória.
Quanto àquela da falta de moral, é bem de duplo sentido, ou não estivesse reflectida no espelho uma imagem real, que contrariando as leis da física, parece ser maior que o objecto.

Anónimo disse...

Se não fosse trágico, seria cómico,mas a verdade é que enquanto os "Bugalhos mandarem, a Marinha vai definhando, exaurindo de forma irreversível, até bater no fundo e, acreditem, o fundo não está assim tão longe.
A ausência de debate, o assobiar para o lado, o continuar a argumentar que a culpa é dos outros e que é ao Governo que compete tomar medidas, são atitudes que caracterizam o discurso daqueles que foram ultrapassados pela história e ainda não perceberam as profundas transformações que varrem a nossa débil economia.
O vidro, excepção feita à garrafaria, já foi. Toda uma geração de vidreiros está a desaparecer e os mais novos, no desemprego, procuram alternativas à arte que aprendiam, mas sem sucesso. Os moldes estão a ir. Mais devagar, mas de forma imparável. Está a acontecer connosco, no sector dos moldes, o que já aconteceu na França, na Alemanha e na Itália. As grandes empresas definham, só algumas pequenas bolsas resistem e o que vier a ficar é residual.
Se isto se confirmar, os dois grandes sectores de actividade indusrial, que nos tornaram conhecidos no País e no estrangeiro, que eram os grandes empregadores do Concelho, vão perder alguns milhares de postos de trabalho.
Alguém nota, nas palavras e na acção, alguma preocupação dos responsáveis políticos locais?
Alguém se apercebeu de um alerta, pequeno que fosse, para nos acordar para esta crise que já se instalou?
Alguém já parou a pensar o que é que vai acontecer ao "CLUSTER" DE QUE TANTO NOS ORGULHÁVAMOS?.
Se o nosso comércio tradicional já era frágil num concelho próspero, imaginem o que virá a ser com uma crise aguda instalada.
Sou um observador atento e desespero por saber que não existe dinâmica politica e social na Marinha Grande, capaz de influenciar decisões e definir novos rumos para o nosso desenvolvimento. Os discursos do "poder" e da oposição são pobres de conteúdo, vazios de ideias novas. Perdidos nas guerras de palavras, à deriva no mar de incompetência em que governam, estas pessoas são expectadores de transformações radicais, que insistem em não querer ver.
Espero que despertem e o façam a tempo de se estudar uma estratégia de desenvolvimento para o Concelho, que já não passa, infelizmente pelos sectores tradicionias.