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Segunda-feira, 26 de Março 2007
"Estamos a pagar grandes amortizações de empréstimos e de juros"
Um ano e meio depois das últimas Eleições Autárquicas, o presidente da Câmara da Marinha Grande, João Barros Duarte, faz um balanço negativo do mandato, reflexo da faltade verbas. O edil refere que os problemas financeiros têm entravado o desenvolvimento do concelho e poderão hipotecar compromissos assumidos durante a campanha eleitoral
Diário de Leiria (DL) - A Marinha Grande é um concelho onde se pode viver bem?
João Barros Duarte (JBD) - É um concelho com boas condições, cujos responsáveis pela sua administração se preocupam com o bem-estar dos munícipes.Por outro lado, tem uma situação geográfica maravilhosa, com 25 quilómetros de praia, está a meio do caminho entre Lisboa e o Porto e com boas acessibilidades. Tem uma situação económica que está a passar uma fase menos boa, mas é um concelho que reúne todas as condições para as pessoas se sentirem satisfeitas.
DL - Como encontrou a autarquia em termos financeiros?
JBD - (risos). As contas da autarquia tinham, e ainda têm, um elevado nível de endividamento a longo prazo. Isto quer dizer que muitas das receitas que deveriam ser colocadas à disposição deste Executivo para executar o plano de actividade, está comprometido devido à dívida acumulada pelos meus antecessores. Estamos a pagar grandes amortizações de empréstimos e de juros, que contribuíram para o endividamento máximo da autarquia. Por outro lado, encontrei alguns endividamentos que não estão relevados nas contas da autarquia, com o é o caso do valor da aquisição de um bairro social, chumbada pelo Tribunal de Contas, mas que num acordo de cavalheiros entre o anterior executivo e o Instituto Nacional da Habitação (INH), seria pago quando o endividamento baixasse. Estão a surgir outros, como é o caso da anterior empresa que faz a recolha do lixo, contratada pelo anterior executivo, em que apresentou uma dívida de alguns milhares de euros que não está relevada nas contas da autarquia, que eles reclamam. Além de outras questões, relacionadas, por exemplo, com o Parque da Cerca. Adjudicaram a obra a uma empresa, e uma das concorrentes que perdeu reclamou. O anterior Executivo não atendeu a reclamação, o assunto foi para tribunal, que lhes deu razão, e agora estão a exigir-nos uma indemnização avultada pelos prejuízos causados pela situação. Estamos também a negociar um acordo.
DL - A falta de verbas poderá hipotecar a concretização de promessas eleitorais? Como vai solucionar o problema?
JBD - Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas. É evidente que tínhamos um programa para executar, anunciamos algumas obras, mas que face à situação financeira em que encontrámos a Câmara, não as podemos executar. Vamos tentar solucionar o problema de duas formas: Por um lado, não fazendo as obras previstas, e, por outro, estamos a fazer tudo para não perdermos verbas do Quadro de Referência e Estratégia Nacional (QREN). É aqui que estamos a apostar, com a elaboração de projectos para executarmos as obras que consideramos necessárias para o concelho.
DL - E que obras são essas?
JBD - A construção de duas variantes, um complexo de piscinas e um gimnodesportivo. Não temos infra-estruturas que satisfaçam a procura, essencialmente nas camadas jovens e menos jovens, ao nível da natação. Nos anteriores executivos presididos por mim, passou-se o contrário. Eram pessoas de outros concelhos que vinham à piscina da Marinha Grande, que agora não tem condições.
DL - Aceita a crítica de que a autarquia não investe por estar descapitalizada?
JBD - Isso é mais do que conhecido. Basta olhar para os documentos dos orçamentos e planos de actividade. Estamos a acabar o relatório do ano anterior, onde, efectivamente, vai ser mais evidente esta situação. O desenvolvimento da Marinha Grande já está um pouco hipotecado. O endividamento, a longo prazo, por terem sido investidos largos milhares de euros em obras de luxo, que não eram aquelas e que, do nosso ponto de vista, seriam as ideais para o concelho. Antes de tudo, a prioridade passaria pela construção de vias circulares à cidade, porque não estando feitas, comprometem o desenvolvimento económico do concelho.
DL - Ainda relacionado com a vertente económica. Para quando o alargamento da Zona Industrial?
JBD - Andamos a pressionar as entidades competentes para que o alargamento se faça. Do meu ponto de vista, o Governo está a demorar a tomar a decisão. A este respeito, o Governo exigiu à Câmara que comprasse um terreno para permutar, com vista ao alargamento da Zona Industrial, e a Câmara investiu 300 mil contos no terreno, os quais não estão a ser utilizados.
DL - A Marinha Grande está a perder muitas empresas. Qual tem sido o papel do município para evitar o encerramento das unidades fabris?
JBD - Estamos em negociações com o IAPMEI e pedimos intervenções junto do ministro da Economia. Andamos há muito tempo a pedir audiências, mas o senhor ministro nunca nos deu ouvidos. As soluções na área da cristalaria passam pela redução do preço dos combustíveis, que é um factor que agrava a produção e coloca os empresários em desvantagem em relação aos de outros países, designadamente França, Espanha e Itália. Nestas negociações estão a ser analisadas as situações de algumas empresas, entre as quais a Dâmaso, na Vieira de Leiria.
“PS criou um lobby”
DL - O aterro sanitário da Valorlis, o problema da Ponte das Tercenas e a erosão das arribas em S. Pedro de Moel, têm sido os dossiês mais complicados desde que assumiu a presidência da edilidade?
JBD - Todos são difíceis, mas o mais complicado é o da Simlis. Sobre o da Valorlis, entendemos que ali não é o local ideal para a instalação de um aterro sanitário, visto que está a cinco quilómetros do centro da Marinha Grande, daí defender a saída. Se na altura que foi assinado o protocolo fosse presidente de Câmara, nunca teria aceite a instalação do aterro ali. Até porque já havia uma lixeira que vinha a desenvolver-se há anos e que estávamos a tentar extingui-la. Quando fui presidente da AMAE, tínhamos acordado que o aterro não iria para ali, mas para um local entre as cidades de Leiria e Ourém. Não podemos fazer nada porque somos apenas um voto. Quando numa Assembleia Geral da Valorlis fui confrontado com o problema, tentei encostar-me à posição da Câmara de Leiria, que na altura pareceu-me a que melhor defendia o concelho da Marinha Grande. A Câmara de Leiria fez uma proposta de aceitar, em princípio, a manutenção do aterro, desde que houvesse uma compensação para as povoações que estavam a ser mais prejudicadas. Posteriormente não houve consenso, e o PS criou um 'lobby' ao reivindicar a saída dali. A verdade é que há uma incoerência, porque o maior responsável pela instalação do aterro naquele local foi o PS. Deixaram determinados negócios encravados, e vêm agora exigir aos outros a reparação do mal que fizeram. De qualquer forma, temos de nos sujeitar à manutenção do aterro ali, porque não temos força eleitoral dentro da Valorlis.A herança do processo da Simlis é mais complicada. O anterior Executivo avançou para uma integração da empresa, quando na altura éramos o concelho que tinha uma cobertura maior de saneamento básico e a melhor apetrechada em termos de equipamento.Tínhamos construídas algumas Etar, que correspondiam a quase a 70 por cento da cobertura e resolução dos problemas do concelho nesta área. O Executivo anterior entregou de borla todos os equipamentos, pelo menos é esta a interpretação da Simlis, e, alguns desses equipamentos, como é o caso da Etar da Vieira de Leiria, está a servir para o tratamento de esgotos de outros concelhos. Pagamos pela passagem de uma conduta que instalaram em Vieira de Leiria e depois recebemos pelo tratamento a um custo mais baixo. É um negócio da china para alguém e desastroso para a população da Marinha Grande. Estamos numa fase de negociações para tentarmos solucionar o problema. Se se cumprir o que o senhor ministro diz, que as câmaras em termos individuais vão ter as mesmas oportunidades de aceder aos fundos comunitários que as restantes empresas, a resolução dos nossos problemas vai ter um caminho, se for em sentido contrário, por imposição da legislação e do Poder Central e do encravanço que nos deixou o anterior executivo camarário, vamos ter que adoptar outras soluções.Em relação à Ponte das Tercenas, a infra-estrutura é propriedade do Poder Central, e, como é óbvio, a competência da manutenção e execução das obras necessárias cabe ao INAG. Temos vindo a reclamar a construção de uma nova ponte. O INAG diz que não tem verbas e quer, à força, que sejam as câmaras a fazê-lo, mas também não têm dinheiro. A situação é muito grave, porque coloca diariamente em risco a vida das pessoas. Estamos fartos de reclamar para a reposição dos sinais que foram vandalizados, mas nada foi feito.O problema das arribas é também muito grave, e é tão grave que nem sequer as pessoas que circulam por ali, se apercebem do risco em que incorrem. Há duas semanas o director do INAG telefonou-me, sorrateiramente, a dizer que o instituto está disponível para deixar fazer as obras. Disse-lhe que as obras são muito exigentes em termos técnicos, e nós não temos engenharia nem dinheiro.
Pessoal excedentário
DL - Qual o balanço que faz de ano e meio de mandato?
JBD - É um ano e meio em que encontrámos alguns problemas e um tipo de dificuldades que não esperávamos. Desmantelaram os serviços da câmara para adjudicarem as obras a empresas com o relacionamento próximo de alguns autarcas e encheram a câmara de alguns técnicos que não têm utilidade. Temos necessidade de técnicos em algumas áreas para podermos desenvolver trabalho, mas, em contrapartida, temos a mais noutras áreas e que estão a comprometer o desenvolvimento do nosso trabalho. Por outro lado, o anterior Executivo deixou-nos problemas com fornecedores e com empreiteiros. Tem sido um mandato atribulado, que tem exigido muito trabalho e negociações complicadas. A estrutura da câmara não estava a funcionar, era um quadro de pessoal cheio de vícios, com uma cultura do deixa andar e de irresponsabilidade, ou seja, ninguém é responsável por nada. Pessoas recrutadas à imagem de determinada filosofia de irresponsabilidade, e que a lei em vigor não nos permite adaptar as situações às exigências da nossa gestão.
DL - Espera um resto de mandato mais calmo?
JBD - Penso que sim. Espero que o trabalho que temos desenvolvido dê os seus frutos, mas os resultados só começam a aparecer ao fim de três ou quatro anos. Quando fui presidente de Câmara, coloquei as finanças em dia e o quadro de pessoal a funcionar. O anterior executivo só conseguiu fazer coisas em 12 anos, porque não existiam dívidas, as coisas estavam afinadas e havia dinheiro. A Câmara viveu, nos últimos anos, à custa dos sacrifícios feitos durante os mandatos que liderei o executivo.
DL - Deduzo das suas palavras que poderá recandidatar-se nas Eleições Autárquicas de 2009?
JBD - Ainda não pensei nas próximas eleições, mas, em princípio, o que está programado e combinado não é ser candidato. As pessoas entenderam que a minha experiência ainda podia ser útil e senti-me orgulhoso por isso. Neste mandato, a minha grande preocupação é fazer coisas que não desmereçam a confiança nem dos camaradas que me convidaram nem da população que me elegeu.
Mário Pinto