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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O 5º PODER

No país dos Crespos, dos Monizes e das Cabritas, a vida corre com inexorável vertigem em direcção ao abismo, ao ritmo do défice e da dívida pública, do malhão e do bailinho, dos bufos e das bufas, das escutas, do segredo de justiça esguichado nas rotativas como um pútrido fluxo de ventre, a conta gotas – aliás como convém num estado de direito com uma "democracia consolidada" - consolidadíssima, upa, upa!
Sob o olhar complacente e conivente de todos, o pilar da Justiça, pedra angular da construção democrática, ameaça ruir já hoje (!), tomado que foi pelo justicialismo entregue ao 4º poder em salva de casquinha. Uma ordem da Justiça vale tanto como um caracol e as escutas mandadas incinerar no Outão são postas ao Sol em pleno rigor do inverno, arrasando a credibilidade das instituições, reduzindo a cinza aquele que deveria ser o nosso maior penhor de confiança - o Sistema Judicial. Tudo normal.
A moral e os bons costumes, e a decência, vá, recomendariam que o país fechasse para obras e para limpeza geral, mas não. Os zelosos governantes, os abnegados opositores e a carneirada eleitora, em geral, acham que tudo não passa de uma enxaqueca do período, uma daquelas cirúrgicas e oportunas dores de cabeça que adiam para amanhã o que se deveria fazer hoje. É que bem vistas as coisas a verdade verdadinha é que somos um país adiado há mais de oitocentos anos, e o que vem a seguir é, por regra, tão bom ou pior que o antecedente. Razão tinha o saudoso Almirante Alves de Aragão quando, da imponência dos seus metro e noventa e dois e cento e quinze quilos, acentuados pela voz grave de canhão de proa, pulverizava os jovens cadetes da Escola Naval, impecavelmente alinhados no anfiteatro principal, com a sapiência da sua notável folha de serviços: “para se comandar um navio exigem-se nobreza de carácter, qualidades pessoais acima da média e o domínio de noções tão fundamentais como: estratégia, táctica, eficiência e eficácia. É assim na guerra, deveria ser assim na política!” E o que é que se vê? Nem nobreza, nem qualidades, nem domínio das noções. Ser pulário do aparelho, peralta e bom palrador é o que se exige para ascender aos senáculos. “Mas a participação democrática não se esgota nas urnas” repetem-nos vezes sem conta, fazendo crer que o seu interesse pelos cidadãos é genuíno e vai muito para além dos nossos preciosos votos. Uma porra, é o que é! Se um gajo não vota, é porque não vota. Se um gajo vota, é porque só vota. Mas se um gajo se predispõe a pôr a sua inteligência e o seu saber ao serviço da causa pública é porque o gajo se está a candidatar, não a um tacho que isso é tão vulgar como obrar sentado, mas a um trem de cozinha em aço inoxidável, a expensas do Estado-Teta. "N'é filho?"
Mas a merda toda é que um azar nunca vem só e para compor o ramalhete, em semana de desorientação geral, tinha de vir o Almunia, esse quadrúpede castelhano feito moço de recados da Comissão de Mr. Cherne, destilar o ódiozinho figadal ao vizinho ibérico, assinalando aos mercados a verdadeira fonte das metástases. Acto contínuo, os fulaninhos das agências de rating, paladinos do regular funcionamento da mão invisível, logo trataram de puxar o lustro à bola de cristal e, entre uma coçadela de tomates e um café expresso, lá aumentaram a notação da República, sem qualquer peso na consciência. E agora, carago? “Corta-se na despesa, baixam-se os salários!” Isso, isso, pois que seja: comecem por reduzir a metade os parlamentares da corte e as benesses à legião de assessores, consultores e associados, a bem do erário público e das insónias do Teixeira dos Santos, que eu assino por baixo com a minha melhor caligrafia. Só que desmantelar a mama do Estado é uma maçada porque, no fim de contas, no fim de contas dá para quase todos, isto é assim em todo o lado, no poder central e no poder local, nas empresas públicas e nas municipais, nas obras e nos pareceres, nas derrapagens. Deixemo-nos de pruridos e ponhamos os nomes nas coisas, o que se passa de uma forma geral e banalizada é aquilo que até um humilde funcionário do Pingo Doce consegue identificar com rigor: trata-se da aplicação em larga escala da famosa “engorda química”, um tratamento de sais e água destinada à engorda artificial do polvo, sem qualquer criação de valor, sem qualquer criação de riqueza, com excepção da riqueza do próprio.
É pois certo que nós também temos um Sócrates. Mas não somos a Grécia, c’uma porra! Nada de confusões, qu’é isto?! Ó Senhor Professor Presidente, diga lá aí aos mercados para não se baralharem, se faz favor. Explique-lhes que o Sócrates lá dos gregos era lá um fulano mal-odoroso e feio, que se divertia a pensar o mundo e a vida, e que o nosso é um charmoso sósia do George Clooney, com o ego do tamanho da Grécia e com toda a subtileza política que se pode encontrar concentrada numa ervilha, um galã que se dedica a tratar do país e da saúde aos que não lhe são agradáveis aos tímpanos. Só tem um pequeno problema, aparece muitas vezes no sítio errado à hora errada. E isso é muito azar, pá.
Mas a maior ironia de todas é que estas dificuldades são ultrapassáveis. Bastava que nos ouvíssemos, que ouvíssemos os melhores, sem reservas mentais, que usássemos na gestão da República da mesma inteligência, da mesma ponderação e da mesma parcimónia que procuramos usar na condução das nossas insignificantes vidas, quando arriscamos e quando jogamos pelo seguro, quando decidimos se havemos de comprar um T2 na Rua dos Outeirinhos ou uma vivenda na Embra, um Toyota ou Porche, quando decidimos se havemos de poupar ou fazer uma viagem de férias, quando decidimos se havemos de comer peixe ou carne, se havemos de comer a patroa ou a sopeira, brasileira. Irónico não é?
Deixemo-nos por isso de vacuidades e dêmos pois lugar ao quinto poder – a inteligência!
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11 comentários:

Carlos Logrado disse...

Caro(a) “Relaxoterapeuta” (não sei quem é),
Quero saúda-lo(a) pela forma como escreve.
Tendo iniciado a minha participação no “Largo” muito recentemente, há muito que o(a) acompanho. Incontestavelmente é o(a) que produz melhores textos, sob o ponto de vista, estético e, julgo, da subtileza das mensagens que quer passar.
Gostava muito de ler intervenções suas, na área da produção de conteúdo dos assuntos Municipais, de uma forma incisiva, directa e pró-activa. Embora pudesse discordar, tenho a certeza que seriam jóias do “Largo”.
Bem-haja.

A verdade Chateia disse...

Por falta do 5º poder o ...

Risco da dívida portuguesa sobe mais que o da Grécia(Diário Económico)

A subida dos indicadores de risco da dívida portuguesa intensificou-se depois do presidente da Fitch ter colocado a crise portuguesa a par da situação grega.
O presidente da Fitch recuperou hoje a comparação que Almunia fez na semana passada e que provocou o caos nos mercados.

Anónimo disse...

Este é um texto impregnado de liberdade... de expressão.
Parabéns.
Poderia até odiar "o que dizes, mas defenderia até à morte o direito de o dizeres"! Pena é que quem pensa assim não seja o George Clooney português mas o George Orwell, o tal do "Triunfo dos Porcos"...
(fui meiguinho :))

Miguel Sousa Tavares disse...

Acabo de ler a entrevista e vejo os posts dos leitores a comentá-la: um chorrilho de insultos, de calúnias reaccionárias de sempre, um misto de ódio, inveja e desprezo à flor da pele que arrepiam de nojo. Que gente é esta? Que nação é esta que produz gente assim? Que, pela frente, calam, obedecem e curvam a espinha, e, por trás caluniam, insultam, inventam, e vomitam até à náusea essa tão antiga e fatal característica portuguesa: a inveja. Mais uma vez me convenço de que esse território do anonimato e da impunidade dos blogues e redes sociais foi inventado como uma luva para satisfazer a insaciável frustração desta gente. A inveja e a cobardia escorrem por ali como o mel em terra prometida. Pois que morram de indigestão de tanto prazer solitário!

Anónimo disse...

Somos assim...
Miguel Sousa Tavares (www.expresso.pt)
0:01 Quinta-feira, 17 de Dez de 2009

Pirolito disse...

Mais um texto de mestre, este do Relaxoterapeuta!
Só com uma pequena diferença quando comparado com os que habitualmente produz. Aqui foi mais incisivo, mais dedo na ferida e, isso, só enriquece o conteúdo da intervenção. Parabéns.
Obrigado Relaxoterapeuta.

mais do mesmo disse...

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Vento Norte disse...

É sempre um prazer enorme ler as crónicas do Relaxoterapeuta Calhandreiro, surpreendentes pela qualidade literária, pelas metáforas oportuníssimas, pela actualidade e proximidade dos assuntos e, sobretudo, pelo humor inteligente e irreverente tão longinquo do cinzentão dos outros escritos em geral. Não estou de acordo com o comentador Carlos Logrado quando pede ao Relaxoterapeuta que mude de registo. Os bitaites, mesmo a sério, não têm que ser cinzentos e não é por escrever textos bem-humorados que o nosso cronista tem deixado de ser crítico quanto baste e ou opinador em matérias tão sérias como as da gestão autárquica. Ainda tenho alguns textos bem sugestivos na memória.
Obrigado pelo seu contributo e por favor, continue a relatar-nos as suas tragicomédias.
Qualquer dia ainda hei-de aqui dizer porque não acho que a inveja seja um sentimento tão deplorável como o pintam.

Chico Esperto disse...

Estou banzado, então o Miguel Sousa Tavares também frequenta o Largo das Calhandreiras? Minha alma está parva!...

Só uma pequena nota pessoal: no mandato anterior uma serie de amigos meus cor de rosa, teciam loas e diziam maravilhas do Largo das Calhandreiras. Há alguns dias perguntei a um deles se continuava a frequentar o Largo e respondeu-me "aquilo está a perder qualidade". Vá-se lá saber porquê...

Carlos Logrado disse...

Caro(a) “Vento Norte” (não sei quem é),
Sou um apreciador dos seus textos!
Creio que entendeu mal o meu pedido ao “Relaxoterapeuta”. O seu registo é excelente! O que lhe pedi, foi a utilização da mesma mestria num assunto específico, que, também, pode e deve ser tratado com um “colorido” sem fim.
Tento ser a negação do “cinzento”. Verdadeiramente, adoro o arco-íris!
Bem-haja.

robaloaosal disse...

Sou frequentador mas pouco interveniente do largo. Não tenho banco marcado mas tambem não me sento em qualquer um.
Venho aqui e agora cumprimentar o Relaxoterapeuta por mais um bem esgalhado post.
Não que concorde inteiramente com ele mas, tal como dito num comentário anterior , pela maneira como é escrito, pelos assuntos que aborda e pela clarividencia com que brilha.
Não é preciso concordar para apreciar.
Os movimentos espontaneos de inteligencia, podem virar movimentos de massas controlados por interesses oportunistas. Veja-se por exemplo os movimentos de professores que acabaram esmagados pelos interesses oportunistas de sindicatos, que receosos de perder o controlo, se propriaram deles, e os esmagaram na sua voraz fome de controlo dos movimentos de massas; e atenção porque por detrás estão os verdadeiros interesses de partidos politicos que os usam como arma de arremesso.
Muitos mais exemplos de controleiros dos movimentos de genuinos de pessoas há.
E na Politica recente até o pensamento livre do Manuel Alegre, (pensamento porque obra não tem) foi apropriada por movimentos politicos dos quais só muito dificilmente se conseguirá libertar e talvez assim lhe roubem a possibilidar de apear o seráfico Cavaco.
E nestas coisas há sempre que ter cuidado com aquilo que outros tentam aproveitar da nossa capacidade e da nossa boa vontade.
Olhem o Carlos Logrado agora que se auto promoveu Provedor Municipal , e que parece tomado pela vaidade e já parece sonhar ser o arauto da transparencia na gestão municipal (eh pá! até parece que estou a falar do Artur OLiveira).
Será que há gato escondido com o rabo molhado nalguma vala?
Esperemos para ver.
Ainda sobre anónimos, todos o somos em geral e não há nisso muito mal se não usarmos essa capa para o insulto gratuito.

Por isso e voltando ao principio, mesmo céptico dos resultados práticos, parabens ao Relaxoterapeuta.

Robalo