Texto retirado da edição desta semana do Região de Leiria
(versão on-line)O mundo dos blogues
Texto de Carlos S. Almeida
Não matam mas moem. As novas tecnologias estão a transformar a vida política da região. Os autarcas sabem-no, mas não o confessam. A sua actividade está a ser escrutinada, criticada e comentada ao minuto nos blogues que se multiplicam nos concelhos da região. Mas nenhum presidente de Câmara admite perder tempo com isso. O certo é que anónimos ou com rosto, os blogues – que na prática são sítios de autor na internet – transformaram-se em fértil terreno de debate e luta política. Incomodam e sabem disso. Os autarcas, pelo menos para já, viram-lhes as costas.
“Não vejo blogues”, sentencia João Salgueiro, presidente da Câmara de Porto de Mós, principal visado em vários blogues do seu concelho. E porque não vê os blogues? “Pela mesma razão que coloco no lixo as cartas anónimas que me chegam”, explica. A verdade é que são pelo menos três os blogues absolutamente anónimos e acerrimamente críticos da sua acção. Mas também existem alguns blogues que seguem a par e passo a política do concelho e que têm “rosto”. Salgueiro é peremptório: “Não conheço”.
Da mesma forma, Narciso Mota, presidente da Câmara de Pombal, escuda-se na sua agenda apertada para não visitar os blogues que existem no seu concelho. Mas nem por isso deixa de dirimir na Justiça um processo contra o autor de um blogue que lhe era incómodo (ver caixa neste texto). Barros Duarte lidera a autarquia marinhense e não faltam blogues que escrutinem o seu trabalho. Mas também não lhes passa cartão. Partidos atentos. Também político, o líder da distrital de Leiria do PS e vereador da oposição na Marinha Grande, João Paulo Pedrosa, não faz a coisa por menos: “os blogues são das melhores coisas dos últimos 30 anos da Democracia. Informação livre, debate intenso e pluralidade de discussão, tudo o que é necessário para fortalecer a Democracia e a liberdade”. Leva quatro anos de participação activa na blogoesfera e não morre de amores por quem se esconde por detrás do anonimato neste maravilhoso mundo novo. Nas últimas autárquicas, a sua campanha teve um diário em forma de blogue e, “se tivesse ganho, tencionava continuar com ele e fazer o relato diário das funções de um presidente de câmara”. Do outro lado da barricada política, Paulo Batista Santos, vereador na Batalha e membro da distrital de Leiria do PSD, coordena a criação de um novo blogue regional que aglutina sensibilidades do centro-direita e que se prepara para intervir na questão do referendo ao aborto. Ciente da nova realidade que emerge na blogoesfera, não tem dúvidas de que os políticos têm de, forçosamente, levá-la em linha de conta. Não se revê na prática anónima, mas assume que os blogues são um importante instrumento de trabalho, onde “colho opiniões e sugestões do comum dos cidadãos às quais, por vezes, dou mais importância que à imprensa”.Curiosamente, em Leiria, os blogues, praticamente inexistentes, não fazem perder tempo à liderança autárquica. Isabel Damasceno confessa que até costuma espreitar a net e os blogues, mas a blogoesfera quase deserta de Leiria não abre portas a qualquer alteração na sua política.
Nelson Araújo é padre. Mas é, também, um bloguer convicto. Tudo começou o ano passado, depois de ter sido “severamente criticado” por, na imprensa local, “ter assumido uma posição política e, particularmente, por ser contrária à que havia sido manifestada pelos resultados eleitorais”. Com as críticas vieram também os convites para participar em blogues. Está ligado a dois que “moram” na Marinha. Um deles, admite, funciona um pouco como a “Contra-Informação” local, com uma pitada de sátira. Aliás, aí, no Fórum das Calhandreiras, assim se chama o blogue, também Nelson Araújo já foi vítima “desse tipo de abordagem e, em alguns casos, tocando questões que considero pessoais e pelas quais poderia ter-me sentido ofendido, mas ainda assim confesso que sempre acabei a rir-me”. Agora é autor convidado do blogue que, assume, parece incomodar muita gente.
Sendo padre, Nelson Araújo admite que há coisas que ficam por dizer. Nem por isso se livra de fenómeno da garrafa meio cheia ou meio vazia: “Tudo o que digo sei que tem sempre uma leitura diferente, consoante quem está do outro lado: para uns é o exercício do meu direito à livre expressão do pensamento, para outros uma transgressão do meu dever de isenção e imparcialidade enquanto padre”. Se fosse pároco na Marinha, Nelson garante que não se “atreveria a escrever ou afirmar em público qualquer opinião política sobre o concelho”. Como não é, não se coíbe de opinar. Essa coragem já lhe valeu uma denúncia perante o anterior bispo de Leiria-Fátima e, recentemente, foi novamente ameaçado numa carta publicada na imprensa local. “Sendo padre não abdiquei de todo da minha liberdade”, contrapõe. Para o pároco, os blogues ajudam à Democracia e à participação cívica, mas esbarram em muita falta de cultura democrática.
“Corre o rumor”, “diz-se”, “parece”. Estas são apenas algumas das muletas de linguagem que alimentam muitos blogues anónimos. Com base na crença de que “não há fumo sem fogo”. dão guarida às mais secretas histórias dos meandros políticos. Um autarca que fez obras na igreja onde o filho ia casar, um executivo que está prestes a implodir, os documentos que circulam nos gabinetes autárquicos, um vereador que almoçou com o dirigente de um clube para decidir a implantação de uma superfície comercial nos terrenos do clube, um negócio escuro para viabilizar um empreendimento na área da saúde. Estes são alguns exemplos de teorias mais ou menos sustentadas que circulam na blogoesfera anónima. São também estas as práticas que mais reprovação merecem pela generalidade dos responsáveis de blogues que dão o rosto. O REGIÃO DE LEIRIA questionou por mail três blogues anónimos. Apenas o blogue “Marinha Grande que Futuro” respondeu. O bloguer explica que o anonimato se fica a dever à sua profissão – que não especifica – e não tem dúvidas de que a sua liberdade de expressão sofre menos condicionamentos pelo facto de não revelar a identidade. Garante que o boato mora ao lado: “O Marinha Grande tentou sempre lançar na blogosfera discussões assentes em informação fidedigna e evitou o simples boato”. Menos anónima é a acção do blogue “Fórum do Largo das Calhandreiras”, também da Marinha. O padre Nelson Araújo conta-se entre os seus colaboradores e conta: “Recentemente no blogue apareceu a insinuação de que estariam a ser feitos esforços por parte de alguém com poder para tal no sentido de se descobrir a identidade dos autores do blogue com o intuito de os ‘denunciar’”.