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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Correio dos Leitores

(recebido por e.mail)


Boa noite ao Largo

Que dizer deste artigo de Guerra Junqueiro? Foi escrito 114 anos atrás, sim eu repito, 114 anos.

Podia escrever-se hoje a mesma coisa, mais virgula, menos ponto.

Como é possível? Como tem sido possível?

Vergonha e falta de pudor.

Utilize, sff.

Amândio Fernandes



"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."



Guerra Junqueiro, 1896.

6 comentários:

ai ai disse...

Incrivelmente actual!!!

Teófilo Silva disse...

Será que Guerra Junqueiro possuia uma bola de Cristal para ver o futuro?
É que esta Vergonha e falta de pudor é tão actual, que mais parece uma acta, escrita dentro da Assembleia da República.

Unknown disse...

Tudo tão actual, só que ainda mais degradante na actualidade.
Estes fulanos nem tendem a esconder as suas leviandades e pouca vergonha.
"não há pachorra..."

Flor de Jasmim disse...

Actualidade...é isso mesmo!!!
Existe um ditado (muda-se de burro mas não de ladrão),simplex.

Anónimo disse...

Belo artigo no Pravda
http://port.pravda.ru/mundo/30541-0/
Vale a pena ler!!!!

Flor do Liz disse...

Actualissimo.
Não mudamos nada.