.
.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

É Difícil Ser Humano


De súbito, todos foram tocados pela compaixão e por um piedoso complexo de acatamento apenas contrariado pelo equilíbrio induzido pela Lei da Compensação de Sentimentos, mecanismo do subconsciente humano que controla a angústia provocada pelas fraquezas da incoerência e que se encarrega de manter a consciência tranquila e o corpo a salvo da insónia, por um fremir, uma raiva contida que impele como um imperativo de consciência, que se descubram e castiguem os culpados pela sina de João.
Subitamente as divergências insanáveis e a antinomia passaram para segundo plano, assumindo o respeito pela pessoa na sua dimensão mais humana o lugar central na discussão. O respeito, identificado que foi como denominador comum dos discursos, acabou por atingir uma dimensão quase dramática porque exponenciada pela variável tempo. Reconheçamos que, apesar do pudor e dos escrúpulos que nos levam sempre a evitar o tema, setenta e três anos não são setenta e três dias, e todos nós, mais velhos ou mais novos, projectamos sobre a pessoa de João o respeito que ansiamos ser merecedores - hoje, um dia, sempre. Mais a mais quando a memória, esse pequeno tesouro que José Cardoso Pires elegeu como a nossa mais preciosa referência, acumulou a riqueza dos anos.
Mas este caso não sendo singular é paradigmático da nossa própria crueldade e das nossas insuficiências, porque João é também, e porventura antes de tudo, uma vítima de si próprio. É que a maioria das vezes somos nós os nossos próprios algozes quando não delimitamos com rigor e critério as fronteiras dos compromissos que assumimos, e quando nos demitimos reiteradamente das nossas obrigações.
Sei que não é fácil, também eu me sinto confuso e tomado pela paralisante inquietação da dúvida, também eu não queria que tivesse sido assim, preferia ter visto João (e o seu partido) ser censurado politicamente na urnas, cilindrado pelo voto do descontentamento popular em resultado da inércia, da atonia demonstrada.
Mas é importante não esquecer algumas coisas. Em primeiro, que toda esta trama de sincera condescendência, complacência e respeito é formulada num cenário que decorre do epílogo esperado, que por fim João acabará por renunciar. Em segundo, que se a preocupação fundamental de João fosse a sua cidade, deveria ter renunciado no preciso momento em que tal lhe foi “sugerido”, não arrastando penosamente a decisão por prescrição médica. E em terceiro, que João continua quedo e mudo, o que só vem adensar o clima de desconfiança e dar razão a quem se sente traído.
Então e se de repente João decide não abdicar do seu direito de governar, que a lei lhe concede e para o qual foi mandatado? Tragédia! O seu partido que tão salvíficas laudes lhe tem cantado, ter-se-ía de penitenciar com vergastadas e jejuns. Ou então, por entre olhares cúmplices e juras de amor eterno, diria que a culpa foi dos do costume e faria um acordo em regime de comunhão de adquiridos: segundas, quartas e sextas governa o João, terças, quintas e sábados governa o Alberto, encerrando ao domingo para descanso do pessoal.
Eu sei que estou a ser cruel e que isto até estava a tomar uma dimensão estranhamente freudiana, mas depois do que tenho visto nas últimas semanas, tudo é possível.

3 comentários:

Anónimo disse...

Como sempre, deliciado pelo texto e pela análise.
A solução 'arrincada' no final seria o pícaro da mais pícara das comédias(!) e se já nos sentimos apalpados e papados por tantos desconsertos e desmandos, então isso seria o zénite do achincalhamento à turba que teve o azar de lhe ter caído no prato este enxame de moscas varejeiras!
Vá de retro, vá de retro...
Lá que o homem, embora caturra, merecia um pouco mais de dignidade no empurrão porta fora, estamos de acordo. Mas que ele é (foi) o grande obreiro de tal situação, não me restam muitas dúvidas.
Sabe Relaxoterapeuta, 'quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão!', e a nós, de tão batidos que estamos, já não há relaxoterapia que nos conserte...

Anónimo disse...

A minha terra devia ser como o rugby

Porque o fim-de-semana tem sempre uma grande actividade desportiva e como estamos perto da final do Campeonato do Mundo de Rugby, estive a reflectir que se a causa politica fosse um desporto, gostaria que a minha terra fosse o rugby. Passo a explicar:

* É o desporto que envolve mais atletas em cada jogo - 15 no campo e mais 7 suplentes, que geralmente são utilizados. Se assim fosse na minha terra haveria mais opiniões e gente a actuar nos seus destinos
* A bola apesar de não ser redonda pode ser jogada com todas as partes do corpo. Ai que bom que era se os artistas da minha terra se empenhassem de alma e coração
* Cada jogo é uma luta, com adversários fortes e valentes, mas sempre leal. Na minha terra cada acção também é uma luta, mas muitas vezes sem adversários de peso quase nunca leal.
* Os actores do rugby respeitam o jogo, os adversários e sobretudo o publico. Quem actua na minha terra desrespeita tudo e todos, interna e externamente, e jamais o farão para atender a comunidade.
* É um jogo onde é fundamental o espírito de equipa, jamais qualquer protagonista pode ganhar isoladamente, e por isso todos podem fazer placagens. Não consigo ver nada disto na minha terra porque todos pensam em ser heróis (isolados).
* No entanto, há momentos em que o grupo reconhece que há alguns que são mais capazes para determinada missão, e por isso ele é o centro das atenções:
- O lançamento lateral (“touche”) tem uma fila de jogadores de cada lado e a bola é lançada no meio. Espera-se que os jogadores mais altos se evidenciem ganhando a bola, mesmo que os mais pequenos os ajudem a elevar-se
- Nas “melés”, 8 jogadores de cada lado (os mais fortes) enfrentam-se, um introduz a bola, e sabe quando e como o deve fazer;
- Os ensaios são o objectivo máximo, a eles chegam se trabalharem em equipa e esperarem que os mais rápidos consigam atingir a linha de meta primeiro que os adversários
- Os pontapés de conversão ou de penalidade são dados pelos atletas que mais certeiros chutam para passar a bola por entre os postes.
Na minha terra todos acham que são melhores que os outros, jamais perceberão que em cada momento há especialistas que devemos deixar brilhar.
* Os jogadores sabem das suas responsabilidades e a sua posição, por isso, durante o jogo, o treinador fica lá longe na bancada e não precisa de dar explicações a cada momento. Na minha terra o treinador não dá um palmo de terreno a ninguém – só ele sabe, e ai de alguém que cometa alguma iniciativa.
* Apesar de ser uma luta, os jogadores de ambas as equipas conhecem e respeitam as regras, porque têm um nível educacional elevado. Alguns envolvidos da minha terra até são licenciados, mas não respeitam regras.
* É um jogo com regras muito evoluídas, tal como a minha terra. Por isso utilizam em todos os momentos, meios informáticos (mesmo durante o jogo) para ajudar a clarificar o que aconteceu, e sobretudo para criar justiça no jogo. Na minha terra, tão evoluída tecnologicamente, ainda temos protagonistas que desconhecem o que é a Internet ou até os telemóveis.
* E quando excepcionalmente algum atleta tem um comportamento menos digno, o arbitro fala com ele na presença do seu capitão, com um microfone, de modo a todos os adeptos ouçam o que foi dito. Que bom que era que a comunidade da minha terra soubesse as razões porque alguns são “encostados” e outros podem dar todas as caneladas e nada lhes acontece.
* E se for muito grave, leva cartão amarelo e é excluído do jogo 10 minuto. Sim porque os que erram têm direito a retirar-se para reflectir, mas podem continuar a ser validos à equipa.
* Este jogo consiste em pensar e planear cada movimentação, de modo a que, lentamente se conquiste terreno – o objectivo é no final dos 80 minutos estarmos a ganhar. Na minha terra, o objectivo é o hoje, no máximo para 4 anos. E depois disso, quem vier atrás que feche a porta.
* A selecção nacional, embora amadora, deu tudo o que tinha e cantou o hino inesquecivelmente, como se não houvesse amanha. Por isso chegaram a Portugal e foram recebidos como heróis, embora tendo perdido todos os 4 jogos. Na minha terra, até os que ganham são apupados.

Para terminar, e pedindo desculpa a todas as outras modalidades que só jogam com os pés (futebol, futsal) ou os que essencialmente só jogam com as mãos (voleibol, basquetebol, andebol), e que jogam muitas vezes para apenas defender ou para o empate, o rugby joga com todo o corpo, desde o mais físico ao mais inteligente, e em cada momento para ganhar terreno.
É assim que eu gostava de ver na minha terra.

Leitor identificado

Anónimo disse...

Pois... o rugby é um 'jogo de brutos jogado por cavalheiros'!
Os brutos temo-los nós. Faltam-nos os cavalheiros!
Salvo seja, claro está.