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sábado, 15 de dezembro de 2007

Natal dos Tristes

Quase de abalada rumo ao Alentejo profundo, onde me esperam frituras de Natal com canela e mel de rosmaninho, aguardentes de medronho e um aconchegante lume de sobro para vencer o rigor do acentuado arrefecimento nocturno da planície, rebusco nas últimas novas do ominoso (des)governo da urbe, algum sossego para a viagem.
Os tempos têm sido de turbulência - truculência até - e eu não partiria ao encontro do messiânico Menino e de mais um novo ano de calendário sem um lampejo de esperança, sem um fôlego que me devolva a confiança nas virtudes da nossa jovem demokratía, cujos fino perfume e suave aroma, delidos num saturado fedor pútrido de rasteirinhos interesses, mesquinhas disputas ou calculismos menores, nos vemos tantas vezes privados de respirar. Raimundo Murraça, um querido parente que amargou a tortura do sono e da estátua às mãos dos verdugos de Salazar & Caetano, esses inolvidáveis portugueses de carreira, disse-me um dia, quase às portas da morte, palavras fundamente sofridas que jamais esquecerei: “Lembra-te Relaxita, a democracia é uma delicada flor que tem de ser acarinhada. Desconfia sempre dos que a oferecem por vaidade pois que se da terra a arrancam para a dar com soberba, é porque não querem que floresça todas as Primaveras. Os sacrifícios não contam para lhe manter o viço. Agora vai que estou cansado.”
Mas voltando às novas da enleada trama, a Oeste nada de novo. Confesso, com indisfarçável cinismo e ironia, que ainda tive alguma esperança, quando o ilustre Bancário abdicou (com clausula de salvaguarda, é certo) e o Professor sucessor fez publicar o armistício, secundado pela gazeta do trombeteiro das causas justas e da defesa dos interesses das populações, que anunciava o regresso da paz à terra e o fim das hostilidades entre germanos - “salve, aleluia, salve”. Puro engano, meus caros, puro engano.
Ainda o morto não tinha arrefecido e já o professor, vestindo a toga de juiz zarolho, punia os tíbios e inconsequentes delatores, ímpias forças de bloqueio ao avanço imparável da cidade adormecida, e elegia num passe de mágica barata (um-dó-li-tá), com juras de amor e reconhecimento perpétuo, “o eleito”! Reatava assim o novo alcaide, a velha aliança com o social democrata anoso, a aliança velha, por encertar num virtual jantar de homenagem ao mártir da renovação, agora bebida sofregamente em tragos insípidos de populismo demagógico, obtuso, enquanto o partido do dito mucama deitava mãos à cabeça sem perceber como segurar na forma o insubordinado publícola, transformado (uma vez mais) no sustentáculo da governabilidade responsável, no pilar da maioria estável. “Ó tudo ou nada!” gritaram os juvenis, enquanto pintavam rugas, a traço grosso de lápis de carvão, na testa e na curvatura dos olhos. “Ou ele ou nós!” - é já um murro na mesa, uma punhada veemente! Não contavam os destemidos e abnegados guerreiros é que a mesa fosse tão dura como a cabeça do desalinhado. É claro que sem acautelarem o imprescindível aquecimento a que os atletas de alta competição se devem sujeitar antes de qualquer peleja e a mais, entrando a matar logo no primeiro round, o resultado não fosse outro senão o previsível: punhos partidos e dolorosos hematomas nos cotovelos, sem que o velho tampo de aglomerado barato vacilasse sequer. Felizmente havia por perto quem dominasse a arte do rápido restabelecimento dos ossos, dos tendões, dos tecidos e das massas musculares, a emplastros balsâmicos e massagens tonificantes - será que são recuperáveis para o segundo assalto, lá para meados de Janeiro? – pergunta-se.
Mas como se não chegasse, para agitar ainda mais as águas barrentas e para levar à exasperação os mais fleumáticos, eis que o melindrado ex-regedor, ressabiado qb, decidiu pôr a boca no trombone e dar à estampa e ao éter a sua visão da abrilada. E a vontade com que o fez foi tanta que à ganância de soprar violentamente no instrumento, os peitos inflaram acima da capacidade instalada, os abdominais flácidos e destreinados cederam à pressão e o que se ouviu não foi um original e poderoso “acorde” erudito mas tão apenas um chocho ré menor da campana do instrumento e um sonoro e abjecto sol maior do extremo do intestino. Um peido inócuo, uma genuína Opera Buffa para recriação do povo taciturno.
O certo é que, dado o histórico do indivíduo, na verdade não haveria muito a esperar. No entanto restava a justa expectativa de ouvir na primeira pessoa do singular, pelo menos, o descargo. Mas nem isso. A fraqueza dos argumentos foi tamanha que só sobraram lugares comuns e estórias de infiltrados e de outras carochinhas. A vingança parece constar destacada no seu cardápio e o ex-qualquer-coisa fez a vontade ao palato, não se coibindo de apontar o canhoeira a três ou quatro suspeitos, mas apenas alvejando, com requintes de preconceituoso, o que estava mais à mão, o mais tenrinho. Quer-me crer que virou-se o feitiço contra o feiticeiro e a suspeição lançada sobre os canalhas sem moral nem preparação política, cai agora sobre as suas próprias insinuações não concretizadas, censurando-se a forma pouco edificante como adjectivou o camarada mancebo, como se a juventude fosse uma deformidade, o sotaque madeirense um estigma e o brinco um ferrete do demónio. Com as raposas velhas não se meteu ele. Porque será? Só encontro, das duas uma, ou porque de facto elas são produto da sua quimera, ou porque tão somente foram o velhaco truque para inocentar e cantar salmos ao inocêncio partido que o despejou borda fora, colhendo a absolvição do colectivo e do líder enganado, induzido em erro por camaradas sem escrúpulos e sem capacidade de análise política. Mas tiremos o chapéu ao partido. O partido não perdeu a compostura e reagiu calado e sereno, misericordioso, compassivo. Estranho não é?!
Enfim. Rebuscadas que foram as últimas novas do ominoso (des)governo da urbe, não encontro sossego algum para a viagem. Nada que me faça crer que o oprobrioso enleio não está para durar. Resta-me a consolação de ter encontrada (finalmente!) a samarra com pelo de raposa que comprei uma ocasião em Portel. Já estava a desesperar. Afinal estava no velho guarda-fatos do quarto das visitas. Tenho de admitir, esta casa sem uma mulher nunca mais foi a mesma. Deixá-lo…
O fardel está quase pronto. Arrumo por último a Agenda Cultural com a mensagem de Natal do Professor Presidente no bornal de estoupa, uma mensagem para debulhar na noite da missadura à luz dum candeeiro a petróleo, e digo para os meus botões e para o fecho da minha braguilha - o melhor é mesmo ir andando, tenho um filé que além do Tejo a coisa vai correr bem melhor do que aqui. Que a graça me toque. A divina, claro está.

9 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Relaxoterapeuta,
Como eu já tinha saudades de um bom texto seu!...
Dos vários que tem escrito, confesso que não sei qual escolher. Mas a este...
Creia que lhe dou altíssima classificação, não só pela prosa inovadora (que muito admiro!), mas, sobretudo, pelo enquadramento perfeito da trama. Assim, tudo preto no branco, sem tirar nem pôr!

Do seu texto permito-me fazer lupa de um parágrafo que acho ser um bem conseguido resumo de tudo quanto esta sua estoriazinha relata e traduz. Passo a citar:
..."E a vontade com que o fez foi tanta que à ganância de soprar violentamente no instrumento, os peitos inflaram acima da capacidade instalada, os abdominais flácidos e destreinados cederam à pressão e o que se ouviu não foi um original e poderoso “acorde” erudito mas tão apenas um chocho ré menor da campana do instrumento e um sonoro e abjecto sol maior do extremo do intestino. Um peido inócuo, uma genuína Opera Buffa para recriação do povo taciturno".

Perfeito! Para mim, esta frase resume tudo o que por cá se tem passado ultimamente.
Na verdade, tudo aquilo a que, desde há dois meses, temos assistido, não é mais que um "um peido inócuo, uma genuína Opera Buffa...", ou, por outras palavras e ainda mais sinteticamente, – uma autêntica m**** e nada mais do que isso.

Anónimo disse...

Caro relaxoterapeuta,

muito bem alvitrado. A verdade é como o azeite ....

aos poucos o Barbas Duarte vem-se revelando.

Quero é destacar que o outro Barbas, o da Vieira, continua a sua cruzada, qual Dom Quixote, tomando de verdade tudo o que este diz .....

Chega de atirar areia para os olhos dos cidadãos ....

Anónimo disse...

Há realmente verdades MUITO inconvenientes!... Não admira, portanto, que os Vitaminose deste burgo se sintam tocados com as verdades que o Grandão da Vieira vai pondo ao léu... Enfin, c'est la vie!!!
Ah! já me esquecia: muitos parabéns ao Relaxoterapeuta pela boa crónica que nos deixou. E, já agora, bom Natal lá p'las terras de Além Tejo.

Anónimo disse...

Este pirolito é mesmo brincalhão ....

quais verdades ??

Só se for a Fábrica de Ecrans .....

ou o Saneamento, que diziam estar todo feito ....

etc, etc, etc .... nãovamospor aí, que é quase Natal. Agora, nesta questão do JBD, o que é que falta para assumirem que estiveram mal ??

Ou, citando o Wolverine noutra caixa, que aproveitaram a "confusão" para baralhar os menos informados e daí retirar dividendos politicos, quais métodos de à 30 anos ??

Vergonha, vergonha .....

Anónimo disse...

Excelente texto, infelizmente, porque, apesar de se encontrar repleto de ironia, não trasmite nada, mas rigorosamente nada que não seja a mais infeliz das verdades. Vivemos num Concelho assim, governados por gente assim. Independentemente das simpatias políticas de todos e cada um dos bitaiteiros que por aqui pululam, e, se fizessemos todos um favor ao concelho e a este blog? Ir escrevendo o futuro e parar simplesmente de fazer comentários ao presente e ao passado. Era um bom desafio, não era? Pensar o Concelho, como deveria ser, o que deveria estar a ser projectado, em que áreas deveria estar a ser feito investimento público, quais os factores-chave do Concelho da Marinha, ... E, se toda a gente deixasse de criticar quem lá está ou quem lá esteve, porque esses tiveram ou terão a sua hora, ..., agora o Concelho com tão ilustres "criticos" e "pensadores" merece muito mais do que bitaites inflamados, demagógicos e partidários?

Anónimo disse...

Amigos "calhandreiros":
Quero aproveitar para vos desejar a todos um feliz Natal e para os que só voltem para o ano, um feliz Ano Novo. Que a prenda do sapatinho da população da Marinha Grande se traduza em sabedoria e prosperidade para que possamos todos encarar o futuro com vigor e discernimento...

Vamos aproveitar para limpar armas e voltar no próximo ano com um espírito crítico e acutilante, sempre respeitando as opiniões do outro no espírito democrático que nos caracteriza...


Ou então podem fazer tábua rasa do que estou a dizer e vamo-nos atacar mutuamente e recorrendo ao insulto gratuito baseado apenas na diferença de cores políticas, sem nos apercebermos que, juntado os nossos fragmentos de ideias, poderíamos construir a melhor opção para o todo...

Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

Anónimo disse...

Isto sim ... é verdadeiro espirito Natalicio.

Contem comigo para discutir sadiamente o futuro do Cocelho ....


E boas Festas a todos !!

Anónimo disse...

Do Cocelho... pois...

Anónimo disse...

Óptimo ..... também já temos Profs. de Português .... esperemos é que também saibam pensar ...