Leio por aí que alguns jornalistas reagem mal ao escrutínio que (supostamente) a blogosfera faz ao seu trabalho. Parafraseando alguém, essa não é a questão essencial.
Vale a pena lembrar aos antigos mais esquecidos, e informar os novos mais imberbes, que o trabalho dos jornalistas sempre foi escrutinado, não apenas em instâncias próprias, e nem todas elas corporativas, mas também por dois tipos de vozes digamos que mandatadas para o efeito: o público leitor (embora sem os meios de hoje) e opinion-makers com colunas regulares nos jornais.
Entre outros que agora não me vêm à memória, destaco dois: Pacheco Pereira, que escreve criticamente sobre os media desde 1980 ou 81, há mais ou menos um quarto de século, portanto (e já escrevia nos jornais ainda Salazar era Presidente do Conselho); e José Manuel Nobre-Correia, hoje professor na Universidade Livre de Bruxelas e cuja coluna semanal no Expresso segui ao longo de anos, uma coluna onde além da justa crítica Nobre-Correia já perspectivava o futuro dos media, guardando algum espaço para noticiar em breves linhas o que de importante se ia passando no mundo dos grupos, fusões e aquisições.
(...)
Ao contrário, por exemplo, dos autarcas (e dos bloggers — anónimos ou com rosto), os jornalistas possuem um código deontológico — rigoroso — que mais não é do que um instrumento de escrutínio permanentemente apontado ao seu trabalho.
Devo ainda recordar que o jornalismo é das primeiras profissões a ter um órgão regulador e foi uma das classes profissionais a recusar uma Ordem própria com o argumento anti-corporativista; realço de resto uma crónica com quase um ano de publicada no Diário de Notícias, escrita por um jornalista com traquejo e capacidade quanto baste, Vicente Jorge Silva, e, ela própria, um eloquente exemplo do escrutínio permanente da profissão. Destaco de Ordem e desordem jornalística negritos meus: «nunca […] senti tanto a falta de uma organização que tivesse o objectivo específico de enquadrar, no plano ético e deontológico, o exercício da profissão. Nunca como agora me pareceu que a condição do jornalista estivesse tão permeável à degradação dos padrões éticos e profissionais — e, por isso mesmo, tão vulnerável à pressão intrusiva dos poderes (político, judicial, económico) que visam condicionar, tutelar e submeter a actividade jornalística a uma lógica que lhe é estranha, destruindo a sua autonomia, instrumentalizando a sua função mediadora, promovendo a promiscuidade com outros géneros e convertendo o jornalista num servil agente propagandístico de interesses alheios ao seu estatuto na sociedade».
As questões essenciais
Essencial, na minha modesta opinião, é assumir que ser cidadão leitor de jornais não é um qualificativo automático e inquestionável, um atestado de santidade cívica (como lembrou João Pedro Henriques no blogue em que participa). E partir dessa assunção para descobrir os agentes escrutinadores capazes, não nos ficando pelo que, por vaidade ou galões, afirmam ser capazes.
Essencial é entender, e fazer entender, as razões que levaram a depauperar a investigação jornalística em Portugal nos últimos dez a quinze anos (Nobre Correia daria um jeito aqui, sem dúvida). Sem isso nenhuma crítica fica completa, com isso todo o escrutínio ficará credibilizado.
Essencial é reparar que os escrutínios recentes, na web, são produzidos amiúde na mesma correnteza partidária, levando-me a suspeitar que há por detrás deles uma agenda de intenções mais nítida que a desinteressada defesa do direito dos leitores à melhor informação. Não tenho nada contra agendas de intenções, pelo contrário: os cidadãos não têm a obrigação da imparcialidade. Limito-me a chamar a atenção para a possível manipulação instrumental, que além da citada suspeita revela as fragilidades da opinião pública com púlpito que alega ter crescente poder de intervenção (e por isso mesmo em breve deverá estar, se não o devia já, sujeita ela própria a mecanismos auto-críticos).
Essencial é que essa opinião pública crescentemente interventiva escrutine, se esse é um dos seus deveres morais, as diversas áreas de actuação dos jornalistas e não exclusivamente a política. Na economia, atrevo-me a dizer, este tipo de escrutínio teria resultados muito mais positivos do ponto de vista da transparência e do rigor que fazem falta à sociedade portuguesa.
Essencial é que os leitores informados e com conhecimentos específicos que, em regra, estão para além do generalismo que costuma caracterizar um jornalista, os apliquem construtivamente.
Essencial é notar as falhas e preenchê-las.
Falta fact-checking ao jornalismo português? Sem dúvida! Então que a comunidade supra tal falha. Tem o que tantas vezes falta nas Redacções e disso se lamentam os jornalistas: tempo e meios.
Falta (mais) escrutínio dos leitores sobre o produto jornalístico? Respondo: sim — e a minha não é uma reflexão contrária: apenas pretende contribuir para que o escrutínio seja melhor feito e, já agora, avisado do acréscimo de responsabilidade que o meio de comunicação de massas que é a web lhe veio trazer.
Não aprecio a confusão que por aí vejo entre o acto de apanhar um jornalista em contradição pontual — fazendo disso uma vitória napoleónica — com o exercício continuado e sóbrio de apontar incongruências de agenda, relembrar assuntos “deixados cair” discretamente ou nem tanto, recentrar debates e chamar permanentemente a atenção para os deslizes e erros factuais (devendo aqui destacar justamente o trabalho de Paulo Gorjão no seu blogue, nem sempre bem compreendido, nem sempre bem focado).
O primeiro é gratuito e vão. O segundo é eficaz.
Publicado em 22 January 2007 na secção Notas
por Paulo Querido
fonte: Observatório da Imprensa
1 comentário:
Acho que o destinatário deste texto não o percebeu, leia novamente por favor Sr. ........
Enviar um comentário