que deu fama à cidade. A indústria vidreira e do cristal resume-se a meia dúzia de empresas a
braços com ameaças de deslocalização para locais onde a mão-de-obra é mais barata. A arte e as mãos ágeis dos mestres de outros tempos tem sido substituída por máquinas e moldes. Sobra algum vidro artesanal. Tempos actuais que contrastam com o cenário vivido há algumas décadas, quando milhares de pessoas procuravam, todos os anos, emprego na “capital do vidro”. Um pouco por toda a cidade permanecem grandes naves industriais vazias, esqueletos urbanos
desprovidos do suor da massa humana que, durante gerações, ali criou obras de arte em vidro ou a mais utilitária garrafa, destinada ao pior vinho carrascão. No sábado, o município homenageou, Diamantino dos Santos, 94 anos, um dos mais antigos
artesãos do vidro da Marinha Grande, no âmbito da Bienal Internacional de Artes Plásticas
e Design Industrial. O mestre Pimenta, como é conhecido, foi fazer 6 anos à Fábrica-escola, mais tarde Fábrica-escola Irmãos Stephens.
forma definitiva. “Ganhava seis escudos por mês [menos de três cêntimos de euro]. Já era bom”, diz com orgulho, apesar da infância perdida prematuramente. Estava em sexto lugar na “equipa de obragem”, que era constituída, no mínimo, por um “oficial” e seis ajudantes. “Tinha medo de me queimar. Por vezes, ardia um bocado da camisa e levávamos muita ‘porrada’ se as coisas se estragassem”, conta com um sorriso sardónico. O vidro é um material que precisa de ser moldado enquanto está a uma determinada temperatura e grau de viscosidade. Ultrapassados os limites, já não se consegue moldar e a peça vai para o lixo ou é recusada devido aos defeitos.
“Durante o dia trabalhava no vidro e à noite fazia ‘catraios’ [dava forma ao vidro noutra fábrica
para ganhar mais qualquer coisa ao fim do mês].” Trabalhou sempre na mesma fábrica, dos 5
aos 74 anos, mesmo depois de se ter reformado aos 65. Para não ficar parado em casa, ia ajudar
no vidro artístico. “Não ganhava nada, nem o almoço, mas ia na mesma.”
“Soprar o vidro na cana não tem segredos. Só é preciso uma cana limpa e muito escovada,
e cuidado para não rebentar a bolha de vidro”, refere o mestre Pimenta (o nome pegou quando
o pai e o tio num baile em Monte Real espalharam pimenta, numa brincadeira). De resto, o
trabalho é duro, realizado o ano inteiro sob uma atmosfera tórrida, alimentada pelos fornos onde
a mistura de areia se transforma em vidro incandescente. Aos 94 anos anos, brinca, dizendo que começa a preocupar-se com a imortalidade. É que dois
dos seus irmãos deixaram esta terra com a mesma idade. “Já ando a pensar: ‘mau... o que é que
vem aí?’” Mas não são apenas as questões sobre a
presença no plano terreno que lhe ocupam a mente. Não gosta de ver a Marinha Grande no
estado actual. Preferia os tempos, quando unidades como a Ivima, Fábrica-escola, Marquês
de Pombal, Ivima, José Custódio ou Manuel Pereira produziam o melhor cristal que Portugal exportava ou consumia, ainda antes da globalização
e da inundação dos mercados por produtos de qualidade e de preço inferior, vindos de outras
partes do Mundo.
quando as bolas de couro cru pesavam como chumbo e não havia contratos milionários,
chegou a treinar no SLB, ainda no antigo campo da Tapadinha, antes do “Inferno da Luz”
existir. Durante a sua carreira, foi sócio número um, treinador e capitão do Sport Império Marinhense. E também deixou a sua marca no atletismo regional.
6 comentários:
Estória de vida, que se confunde com a história de um sector industrial e de uma região...
Homem em fim de vida
Sector em agonia
e na cidade?
ainda sobrevive a cidadania?
Se sim, muito me espanta...
O objectivo foi conseguido... fiquei a conhecer a vida de Mestre Pimenta :)
Bjos e BFS
Rogério Pereira
A cidadania já morreu há muito, nem devem de saber o que é, até faz aflição.
Bom fim de semana
Estive na homenagem prestada ao mestre Diamantino dos Santos "Pimenta" como não podia deixar de estar, salvo motivo de força maior.
Tal como muitas crianças da minha geração,tive que começar a vender a força do meu trabalho demasiado cedo. Com 11 anos ingressei na FEIS (fábrica velha) depois de cerca de 1 ano de estágio no M.P.Roldão. Tive talvez a sorte de começar precisamente na obrage do Diamantino "Pimenta" (curiosamente comecei como aprendiz, a fechar o molde, aqui e saí como 3º ajudante na obrage, do seu irmão João "Pimenta".
Uma vida em que fui um dos muitos homens que não soube o que foi ser menino. Claro que já fui um previligiado, comparado com o mestre que começou ao 6 anos.
Do Diamantino "Pimenta recordo (em contraste com outros) a sua bondade e a sua sempre vontade de ensinar. Espero "Mestre" continuar a vê-lo muitos anos a dar a sua voltinha diaria a pé. Pois ao fim de tantos anos hoje somo vizinhos.
Olá, venho navegando na internet e peço licença para entrar no seu blog.
Este texto me fez lembrar de coisas muito caras. Eu sempre fui fascinada pelas formas do vidro com o sopro. Não entendo nada do assunto, é apenas um sentimento gostoso.
Uma vez estive em uma exposição no Rio de Janeiro que mostrava como é a técnica. Apaixonante.
Agora, fico pensando no seu estimado Mestre Pimenta. Na cidade onde eu moro, Juiz de Fora, Minas Gerais - Brasil, existe um Centro e Convivência para idosos.
Há muitos anos o espaço abrigou uma antiga fábrica de azulejos hidráulicos. Na parede existe um algumas fotografias ampliadas e emolduradas que mostram como era o dia-a-dia da fábrica.
Assim que os quadros foram colocados, na inauguração do local, um dos idosos, emocionado, reconheceu o retrato do pai, ainda menino, ao lado de seu avô, que era operário na fábrica.
Para mim, esse sentimento de pertencimento de uma história, mesmo que não seja diretamente a minha, é o que dá sentido à minha existência.
Parabéns pela homenagem ao seu querido Mestre Pimenta. Ele agora é também um pouco meu.
Um abraço,
Curiosamente, alguns dos comentadores locais, sempre prontos para comentar as nossa calhandricezitas caseiras, quando se trata de falar sobre um dos simbolos vivos da nossa terra, não têm nada para dizer...
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